quarta-feira, 28 de maio de 2014

O DVD "Desagradável" da gangrena gasosa ...

Quase tudo que envolve a Gangrena Gasosa, lendária banda de "Saravá metal" carioca, tem um toque de bizarrice e polêmica. Praticantes de cultos de matriz africana já quiseram matá-los – alguns quase chegaram às vias de fato – e “metaleiros” menos atentos não engolem “Quem gosta de Airon Meiden também gosta de KLB” – que na verdade é uma ode ao metal “real”. Já os ativistas gays – e simpatizantes da causa, dentre os quais me incluo – têm bronca com “Emboiolada” – e nesse caso têm razão, pois a letra é realmente ofensiva. Angelo Arede, um dos vocalistas, admite que hoje mudaria uma ou duas frases, mas explica que tudo se insere num contexto de humor e ironia, já que a letra foi inspirada no que ouviu durante um duelo de "embolada" na Feira de São Cristóvão. Conta também que, inclusive, "aliviou" no conteúdo, justamente com receio de ser mal interpretado, o que poderia levar a banda a atrair tipinhos asquerosos de extrema direita que curtem espancar minorias ...

São muitos anos de estrada e muitas e muitas tretas e histórias sinistras - e divertidas - para contar. Eu Sou fã de primeira hora e também tenho as minhas. Como a de quando conheci o antigo vocalista, Chorão 3. Havia lido, há MUITO tempo, uma entrevista na qual eles se diziam todos viados e representantes do movimento Homo Core. Normal. Um dia fui a Recife ver um show do Jason, também do Rio, e encontro lá o Chorão, com quem havia trocado algumas correspondências e feito uma entrevista para o meu fanzine. Normal também. Gente boa. Mas eis que, no final do show, ele me convida pra ir dormir na casa de um tio em Boa Viagem. Normal, mas imediatamente a lembrança da tal entrevista me veio à mente e um sinal de alerta começou a tocar em meu cérebro. "Será que esse negão tá a fim de abusar de minha ingenuidade?", eu pensei. Avaliei a estampa do indivíduo e concluí que poderia resistir a uma abordagem mais agressiva, então fui. Chegando lá, ele logo me chama para o quarto, supostamente para vermos um video inofensivo. Só que parecia um quarto de motel, com cama redonda e espelho no teto. Percebendo minha hesitação, ele me explica que seu tio era meio tirado a garanhão, que não ligasse. Respirei aliviado e lhe falei da entrevista que havia lido. Rimos muito e somos amigos desde então.

Outra história: Soube que a Gangrena iria lançar seu primeiro DVD no Circo Voador abrindo para o Cannibal Corpse! Fui. E não é que aconteceu de o show ser justamente no dia em que o caos tomou conta das ruas do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro? 20 de junho de 2013. Bombas de gás lacrimogênico por todos os lados e a polícia caçando qualquer um que estivesse nas ruas da Lapa, com auxilio inclusive de carros blindados, conhecidos popularmente como "caveirão". Uma verdadeira batalha campal, típica de uma guerra civil ou de um estado de exceção! Enquanto isso o couro comia no palco do circo, entre um ou outro intervalo para que o público se recuperasse dos efeitos do gás que chegava por cima da lona. Foi antológico!

O DVD é "Desagradável" - fique avisado, portanto. Mas se resolver encarar, saiba que vai assistir a uma das melhores peças de comédia involuntária - ou não! - já produzidas na face da terra. Dirigido por Fernando Rick, o mesmo de "Guidable, a verdadeira história do Ratos de Porão", conta com o depoimento de praticamente todos os que passaram pelas inúmeras formações da banda - e foram muitos - e mais testemunhas oculares – e auriculares - ilustres do calibre de Jello Biafra, B Negão, Marcelo D2, Dado Villa Lobos - que lançou o primeiro disco pelo seu selo Rock it - Marcos Bragatto e Tom Leão, dentre outros. Um verdadeiro inventário de insanidades e histórias bizarras e supostamente reais, na medida em que o olhar de quem conta o conto interfere na autenticidade dos fatos. É difícil de acreditar, por exemplo, nas incríveis coincidências apontadas por Fabio, proprietário do Garage, verdadeiro templo do underground carioca. Ou dos Ratos de Porão, que saíram de uma zica apenas quando fizeram de frisbee o disco da Gangrena que haviam ganhado algumas horas antes.

São muitas histórias - e poucas imagens da época, infelizmente. Não havia a facilidade que temos hoje, e pouca gente tinha como registrar tudo aquilo. Um dos pontos altos, porém, a tour pela Alemanha, foi registrado, e está tudo lá: do assédio de um dos componentes a uma deficiente mental num squat repleto de punks politicamente corretos ao cagaço quando se viram cercados por neonazistas numa estação de trem. Ou a visita a um campo de concentração desativado - extremamente desrespeitosa, evidentemente.

Para compensar a falta de imagens históricas temos, num segundo disco, um show filmado há cerca de três anos no "Inferno" - onde mais? - em São Paulo. Não é ruim, mas infelizmente a banda não estava em uma de suas melhores formações, o que prejudicou a perfomance e o resultado final. Em todo caso, é muito bom vê-los finalmente numa produção à altura de sua reputação, com direito a efeitos especiais e atuações teatrais macabras em pleno palco.

Imperdível!

A.

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