sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A Hammer Film production

Sem essa de assistir filmes no computador em tela pequena e com imagem de baixa qualidade ou, suprema heresia, no celular ! O melhor lugar para se ver filmes AINDA é o cinema, apesar dos (muitos) pesares, especialmente a falta de educação do público em geral. Pois bem: fui ver ontem, NO CINEMA, “Deixe-me entrar”, a versão americana para um dos melhores filmes sobre vampiros dos últimos tempos, o sueco “Deixe ela entrar” (Låt den Rätte Komma In). Eu sei, é de uma imbecilidade sem tamanho essa idéia dos americanos de que eles têm que fazer versões próprias de filmes estrangeiros de sucesso, porque os retardados de lá não gostam de ler legendas (até aí, nenhuma novidade, já que os retardados de cá também estão criando uma demanda cada vez maior por filmes dublados nos multiplexes, o que é horrível). Mas de vez em quando eu abro uma excessão, por um motivo ou outro. Neste caso a principal motivação foi a presença de Chloe Moretz, de quem eu virei fã desde sua excelente atuação em “Kick Ass”, no papel principal, o da vampira adolescente. Além disso, o diretor é Matt Reeves, o mesmo de Cloverfield (Monstro), do qual eu gostei bastante, e as críticas que li foram bastante positivas.

Não me decepcionei. Poderia ter sido melhor se o diretor tivesse feito um esforcinho a mais para se diferenciar do original (é praticamente uma cópia Xerox), mas mesmo assim o resultado final foi satisfatório. Replica praticamente tudo, inclusive o cenário, apesar da versão ser ambientada, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos, mais precisamente no Novo México. Nunca um inocente parque de diversões soterrado pela neve no playground de um condomínio de classe media baixa foi retratado de forma tão sombria – porque seu único frequentador, pelo menos à noite, é o solitário garoto Owen. Ele está, no entanto, prestes a encontrar companhia: Abby, uma garota igualmente estranha com cheiro esquisito, acaba de se mudar para a vizinhança e também quer freqüentar o parquinho em horários pouco convencionais. Os dois acabam desenvolvendo uma bela relação de amizade que logo evolui para um namoro, apesar da garota afirmar que ela não é, na verdade, uma garota. “O que você é, então?”, questiona Owen. “Não sou nada”, ela responde.

Ela é, na verdade, um ser atormentado por instintos primários, manifestos principalmente em uma sede de sangue difícil de controlar e num instinto predador aguçado, acompanhado de força e habilidades fora do comum. Sim, Abby é uma vampira, o que fica explícito em um diálogo do filme (não deveria). Seus ataques são impressionantes. Com movimentos um tanto quanto inverossímeis, é verdade, mas até aí nada demais, já que vampiros são, por si só, seres fantasiosos. As cenas de ação, aliás, são muito boas, especialmente a do acidente de carro, que não consta do original, e a da piscina, igualmente perfeita. São intercaladas por climas melancólicos e sombrios pontuados pela delicada e onipresente (até demais, chega a enjoar) trilha sonora, baseada no piano. Excelente, especialmente para quem não viu a versão original. No cinema, já era: passou praticamente despercebido pelas telas, infelizmente, e já saiu de cartaz em Aracaju.

Mas o que mais me surpreendeu foi a constatação de que se trata de um filme da Hammer, a legendária produtora inglesa de fitas de horror! Não sabia. Faz muito tempo que eles não produzem nada. Ressuscitada pela Endemol, companhia responsável pela produção do "Big Brother", a Hammer foi fundada em 1934, mas teve seu auge criativo e comercial entre os anos de 1955 e 1979 quando, em associação com a Warner Bros., que atuou na distribuição mundial de alguns de seus sucessos, apostou nos filmes de terror, especialmente o horror gótico povoado de personagens clássicos, como Drácula, Frankestein e o Lobisomem. Tudo começou com o sucesso da versão de Terence Fischer para a obra imortal de Mary Shelley em The Curse of Frankenstein, de 1956. Dois anos depois, o mesmo Fischer dirigiria o clássico “Dracula”, estrelado por Christopher Lee no papel do vampiro e por Peter Cushing como seu antagonista, o Dr. Van Helsing. Foi um sucesso estrondoso, o que gerou um sem número de continuações, algumas quase tão boas quanto o original, como The Brides of Dracula (1960), Dracula: Prince of Darkness (1966) e Scars of Dracula (1970). O filão comercial foi explorado até o fim com Dracula Has Risen from the Grave (1968), Taste the Blood of Dracula (1970), Dracula AD 1972 (1972), The Satanic Rites of Dracula (1973) e The Legend of the Seven Golden Vampires, quase todos estrelados por Christopher Lee, que não se sentia muito a vontade no papel. Ele não participou da sequencia direta do filme de 1958, “The Brides of Drácula”, e no primeiro, para que se tenha uma idéia, fez um príncipe das trevas praticamente mudo, sem quase nenhuma fala, porque se recusava a proferir os diálogos, a seu ver muito ruins.

Os filmes da Hammer eram “trash” e “camp”, mas também eram, inegavelmente, charmosos. Exploravam sem pudor os corpos de suas atrizes, sempre metidas em generosos decotes, e caprichavam nos cenários e na dramaticidade de algumas cenas. São inesquecíveis os castelos góticos em meio a florestas envolvidas em brumas e algumas cenas de morte do vampiro, como aquela em que ele é atingido por um raio ou outra na qual Van Helsing salta sobre as cortinas para deixar entrar a luz do dia, fatal para os mortos-vivos. Antológico. Lembro que quando eu era criança, ainda nos anos 70, pedia para que meus irmãos me acordassem no meio da noite para assistir às sessões que a televisão exibia, geralmente de madrugada. Ficava absolutamente fascinado.

A Hammer produziu ainda uma série sobre vampirismo feminino, repleta de apelo erótico e baseada na personagem Carmilla Karstein, de Sheridan Le Fanu: The Vampire Lovers (1970), Lust for a Vampire (1970) e Twins of Evil (1971). Com o monstro de Frankenstein produziram The Curse of Frankenstein (1957), The Revenge of Frankenstein (1958), The Evil of Frankenstein (1964), Frankenstein Created Woman (1967), Frankenstein Must Be Destroyed (1969), The Horror of Frankenstein (1970) e Frankenstein and the Monster from Hell (1973). Outros filmes importantes: The Mummy (1959), The Hound of the Baskervilles (1959), The Two Faces of Doctor Jekyll (1960), The Phantom of The Opera (1962) e The Devil Rides Out (1967).

Em meados dos anos 70 a produtora entrou em decadência, dedicando-se basicamente a séries para a televisão nos anos 80. Mante-ve-se em estado de hibernação durante as décadas de 90 e 2000, e está voltando agora à produção cinematográfica, justamente com o filme de Matt Reeves.

por Adelvan

Clique aqui para uma lista completa de todos os filmes da Hammer
AQUI, o site oficial da produtora

+ sobre “Deixe-me entrar”:

“De certa forma, nós estabelecemos o padrão para os filmes de vampiro”, comenta o presidente da "Hammer Films", Simon Oakes. “Lá no filme ‘Drácula’ do final dos anos 50, a Hammer transformou o vampiro, interpretado por Christopher Lee, em uma figura quieta e sensual. Acho que estabelecemos o tom para aquela abordagem na tradição do vampiro e isso perdurou durante muitas décadas”, aponta. “Cada uma das histórias que são tão populares no momento, usa a lenda do vampiro de uma maneira diferente”, acentua Matt Reeves, diretor de “Deixe-Me Entrar”, versão americana de “Deixe Ela Entrar”, filme sueco baseado no romance de John Ajvide Lindqvist. “Freqüentemente eles a usam para explorar a natureza sexual das pessoas. Mas esta história pega o mesmo modelo e o usa para explorar algo totalmente diferente”, explica o cineasta.

“É uma história que deveria estar disponível para um público realmente muito mais amplo. E nós o acompanhamos desde o princípio”, lembra Oakes, que através da Hammer entrou na disputa pelo material logo que o título despontou. “Mesmo que a concorrência tenha sido dura, desenvolvemos um relacionamento com os produtores e como resultado conseguimos garantir os direitos”, comemora o CEO. “Achei que seria extremamente empolgante o remake ser feito pela Hammer por causa de seu histórico de contribuições para este gênero”, diz Reeves. “Sabia que tinha que achar um meio de me ligar a esta iniciativa. Meu pessoal adorou tanto o projeto que também queria fazer parte dele e na verdade acabaram se associando à Hammer”, confessa o autor, lembrado por sua direção no elogiado longa-metragem de J. J. Abrams, “Cloverfield - Monstro”.

“Matt leu o livro e assistiu ao filme original, e estava muito positivo sobre achar uma maneira de fazer deles sua própria película. Ele tinha uma conexão apaixonada com a história e isso valia por tudo. Ele estava determinado em manter uma lealdade ao espírito da história de Lindqvist e ao mesmo tempo expandi-la de maneira a incluir sua própria visão”, pontua Oakes. “Fiquei realmente tocado. Lindqvist e Tomas Alfredson, o diretor do longa sueco, criaram uma metáfora poderosa para o tumulto que é a adolescência”, lembra Reeves, que ainda prossegue: “Com um filme de gênero, penso que o mais emocionante é poder incluir uma idéia maior por baixo da superfície. Acho que é isso que torna este conto diferente. Não é uma fantasia comum sobre vampiros, é algo com o que espero que as pessoas possam realmente se identificar”, empolga-se.

“Você poderia cometer o erro de achar que é somente um filme de vampiro, mas na realidade é um filme sobre a alienação e o preço que estamos dispostos a pagar para sermos amados”, aponta Vicki Dee Rock, co-produtora da fita. “É um comentário sobre a humanidade”, ela continua. “O que mais me chamou a atenção, logo na primeira leitura de ‘Deixe-Me Entrar’, foi o tom incrivelmente sombrio e sinistro que Matt queria ter”, especifica o diretor de fotografia Grieg Fraser. “Envolvida por toda esta escuridão, está uma linda história de amor. Nosso desafio era criar visuais que a complementassem. Durante as filmagens, tentamos intensamente não nos sentirmos como se estivéssemos iluminando e enquadrando um filme de gênero. Em vez disso, estávamos iluminando um drama de época, com crianças no centro da história”, difere.

“Na versão sueca, os protagonistas são maravilhosos e seu relacionamento é muito poderoso. Sabia que, se não encontrássemos jovens que fossem capazes do mesmo, não poderíamos fazer este filme. Esta é, de diversas maneiras, uma história bastante adulta. As complexidades emocionais do relacionamento são bastante maduras”, credita Reeves. Kodi Smit-McPhee (de “A Estrada”) acabou sendo escalado para o papel principal do menino socialmente excluído. “Ele é filho de mãe solteira. O coitado teve uma vida muito difícil. Ele é intimidado na escola e sua mãe se preocupa, porém ela bebe demais”, analisa o próprio ator-mirim. “Quando uma nova garota se muda para seu prédio, ele a acha meio estranha, mas precisa de alguém para conversar. E depois, assim que eles se tornam amigos, ele descobre que ela é uma vampira”, detalha Smit-McPhee.

Já para viver a tal menina vampira, os produtores foram buscar Chloë Grace Moretz. “Ela tem uma qualidade incrivelmente interessante. Chloë pode ser durona, como todos que assistiram ‘Kick-Ass’ já devem saber. Ela também tem uma tremenda vulnerabilidade. Esta mistura de ser bem humana, mas também tendo um inconquistável desejo de sobreviver realmente transparece”, elogia Reeves. “Penso que alguma parte dela sabe pelo que ele está passando. Ela não pode na verdade conversar com ninguém sobre si mesma ou sua vida, porque se descobrirem quem ela realmente é, eles irão se afastar. Ele é única pessoa com a qual ela se relaciona. E ele também precisa de alguém que o ame pelo que ele é”, sintetiza Moretz. “Sem estes dois jovens, não poderíamos ter feito este filme. Quero dizer, eles são realmente notáveis”, surpreende-se o diretor.

Fonte: Paramount Pictures

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Revolução não será televisionada

Vendaval árabe abala Muamar Gaddafi, o ditador que foi aliado do “socialismo real”, estimulou atentados e terminou nos braços de Bush, Blair e Silvio Berlusconi.

A Líbia está quase isolada do mundo: a ditadura controla rádio, TV e jornais; cortou internet, celulares e telefones fixos. Raras notícias e imagens furam o muro de silêncio. São dramáticas. A aviação disparou contra a população rebelde. Há pelo menos 300 mortos, num país cuja população equivale à da cidade do Rio de Janeiro. Mercenários substituem os soldados que desertam. Percorrem as ruas da capital (Tripoli) armados, para reprimir manifestações. O aeroporto de Benghazi, onde começaram os protestos, foi bombardeado. O filho do ditador anunciou domingo que o regime resistirá “até o último homem” e ameaçou iniciar uma guerra civil.

Ainda assim, a revolução não recua. A população teria assumido o controle de diversas cidades. Em sequência ao banho de sangue, diversos ministros e muitos diplomatas desertaram. O embaixador adjunto do país na ONU pediu ao Conselho de Segurança (que está reunido nesta tarde de terça-feira, 22/2). As últimas notícias falam de barricadas em Tripoli — e de chamas em edifícios que simbolizam o regime. Mais uma vez, quem conduz a luta são os jovens.

Novo epicentro (depois da Tunísia e Egito) do terremoto desencadeado pelas multidões árabes, a Líbia é crucial por dois motivos. É o primeiro grande produtor de petróleo atingido pelos protestos. Além disso, há um componente simbólico destacado. O regime agora pendurado por um fio flertou, ao longo de seus 41 anos, com os dois grandes projetos políticos que marcaram o século 20: “socialismo real” e sociedades de mercado. Em ambos os casos, as multidões foram mantidas à margem, reprimidas, privadas de direitos políticos e de qualquer participação importante sobre seu futuro coletivo. Agora, tateiam em busca de uma alternativa.

Subjugada sucessivamente por romanos, islâmicos, otomanos e italianos, a Líbia tornou-se independente em 1949, por resolução das Nações Unidas. Foi governada a partir de 1951 pelo rei Idris, cujos laços com Inglaterra e França eram notórios. Em 1959, descobriram-se seus vastos campos de petróleo. Dez anos mais tarde, na esteira do nacionalismo árabe que tinha no egípcio Abdel Nasser sua principal referência, um grupo de jovens coronéis tomou o poder. Seu líder mais poderoso era Muamar Gaddafi, então com 27 anos.

À frente de um país rico e pouco habitado, Gaddafi alcançou avanços importantes, no terreno das condições de vida. O IDH da Líbia (0,755) é o maior da África e bem superior ao do Brasil (0,699). Montado nestas conquistas, o governante sentiu-se capaz de conduzir o Estado líbio, no cenário internacional, pelos caminhos que sua vaidade julgasse convenientes.

Entre a década de 1960 e o final do século passado, alinhou-se com o “socialismo real” e os nacionalismos de esquerda — inclusive suas correntes mais radicais. Considerou-se um parceiro de Fidel Castro e Yasser Arafat. Apoiou movimentos separatistas como o IRA irlandês e os radicais islâmicos das Filipinas. Advogou, em palavras, a unidade árabe. Na vida real, perseguiu os dissidentes na Líbia e os que se refugiavam no exterior, em muitos casos com assassinatos.

Em 1977, considerando-se inspirado por Nasser (que escrevera A Filosofia da Revolução) e Mao (autor do Livro Vermelho), redigiu, traduziu em múltiplos idiomas e publicou em grandes tiragens O Livro Verde (ler em inglês), uma obra tosca de política e filosofia. Julgou-se líder de uma revolução cultural. Mudou o nome de seu país para Grande Jamahyria [Estado de massas, em árabe] Socialista Árabe da Líbia.

O declínio do “socialismo real” levou-o a posições mais extremadas. No início dos anos 1980, rompeu com Arafat, fechou os escritórios da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Trípoli e expulsou milhares de refugiados palestinos de “seu” país. Em abril de 1986, surgiram indícios de que a embaixada líbia em Berlim Oriental ajudara a articular um atentado a bomba numa boate em Berlim Ocidental, que provocou três mortes e 230 feridos — entre eles, dezenas de soldados norte-americanos. Em resposta, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, mostrou que era capaz de selvageria muito maior. Dias depois, aviões norte-americanos bombardearam Tripoli e outras cidades, provocando a morte de centenas de civis — entre eles, Hanna, filha adotiva de Gaddafi.

A ação não ficaria sem troco — mais uma vez, tendo como alvo civis inocentes. Em 1988, um avião de passageiros da empresa norte-americana Pan Am (falida em 1991) foi abatido por uma bomba, quando sobrevoava a cidade de Lockerbie, na Escócia. Morreram 270 pessoas, dentre as quais 189 estadunidenses. Acusado pelo crime, Gaddafi negou responsabilidade.

Iria assumi-la anos mais tarde, em 2003, como parte de uma guinada radical — agora ao encontro dos governos mais identificados com a política imperial do então presidente dos EUA, George Bush. Em agosto, o ditador líbio enviou carta às Nações Unidas admitindo a responsabilidade de seu país pelo crime e se propondo a pagar indenização de 2,7 bilhões de dólares às famílias das vítimas. Num gesto ainda mais eloquente, abriu a exploração das reservas de óleo líbias a empresas como a British Petroleum e a ENI, italiana.

Foi o suficiente para que também os governantes ocidentais o cobrissem de mesuras. Puxou a fila o então primeiro-ministro inglês Tony Blair. Famoso por seu alinhamento total às politicas de Bush, ele manteve com Gaddafi um “encontro histórico”, consumado numa tenda beduína, montada nos arredores de Tripoli. Seguiram-no o francês Nicolas Sarkozy (julho de 2007), o italiano Silvio Berlusconi (agosto de 2008) e, finalmente, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice (setembro de 2008).

Num artigo publicado hoje, Gideon Rachman, principal analista internacional do diário londrino (e pró-capitalista) Financial Times, reconhece: “nos últimos anos, o líder líbio foi recaracterizado como sendo um pecador reformado, aliado na ‘guerra ao terror’ e valioso parceiro de negócios (…) As mudanças de atitude em relação a Gaddafi evidenciam a forma como as preocupações ocidentais em relação aos direitos humanos são quase sempre tingidas pela conveniência”.

Mas, seja qual for seu desfecho, a revolução líbia convida a própria esquerda a uma reflexão autocrítica. O caráter de um governo não está no que ele diz de si próprio, nem apenas nas políticas que conduz, mas também — e cada vez mais — no grau de participação e horizontalidade que é capaz de manter com as multidões. Ao escancarar este fato, o vendaval árabe oferece mais um presente inestimável à nova cultura política que está em construção.

Por Antonio Martins [22 de fevereiro de 2011 - 18h59]

Publicado em Outras Palavras

Bravura Indômita

Como apreciador do bom e velho "western", tão ausente das telonas dos cinemas nas últimas décadas, sinto dizer que são exagerados os elogios rasgados que têm sido dirigidos à refilmegem de "Bravura Indômita", dos irmãos Joel e Ethan Cohen (sob a batuta do onipresente Steven Spilberg). O site "Omelete" chegou ao disparate de dar nota máxima à fita, além de insinuar um interesse sexual dos dois protagonistas pela garotinha de apenas 14 anos, algo que eu, sinceramente, não vi. Vamos combinar que o original já não era nenhum grande clássico, embora tenha rendido o oscar de melhor ator para John Wayne (""se soubesse, teria colocado um tapa-olho 35 anos atrás.", disse ele), e este aqui segue pelo mesmo caminho. É um bom filme, sem sobra de dúvidas: redondinho, sem exageros clicherosos como os de "Cisne negro", por exemplo, outro candidato ao oscar, mas só. Absolutamente nada de genial ou fora do comum - a não ser, talvez, pela impressionante interpretação de uma das protagonistas (ela foi injustamente classificada como coaduvante pela academia), a "pequena notável" Mattie Ross vivida por Hailee Steinfeld. Jeff Bridges também manda bem, como sempre, mas confesso que fiquei um pouco incomodado com aquele tagarelar carregado de sotaque caipira sem fim de seu personagem, prefiro os caras durões monossilábicos, tipo o "estranho sem nome" de Clint Eastwood. Já Matt Domon entrega uma atuação apenas correta.

A verdade é que o enredo não ajuda. Nada de excepcional acontece nesta história que se contenta em apenas emular aquele velho ideal platônico do faroeste, com o mocinho irascível, a garota valente, o delegado relutante e os bandidos feios, sujos e malvados, embora humanos - mas não "demasiadamente humanos", o que seria um diferencial.

Daria uma boa "sessão da tarde".

A.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SPQR

Fui recentemente dominado, mais uma vez, por um tema que sempre me fascinou: a História de Roma, especialmente no espaço de tempo que vai da decadência da república à ascensão dos imperadores – o primeiro foi Otaviano, filho adotivo do ditador Julio Cesar. A princípio o que me atraía, como à maioria das pessoas, eram as histórias escabrosas dos reinados de Nero e, especialmente, Calígula - das orgias, das excentricidades ou mesmo da insanidade desenfreada destes personagens ímpares. Mas não há como negar que a História de Roma é rica como um todo, e o período de transição entre a república e o império propriamente dito (visto que a republica também era imperialista) é um dos mais intensos momentos de ruptura da História da humanidade.

Antes de mais nada é bom salientar que os termos “ditador”, “rei” e “imperador”(ou imperator) tinham, na época, conotações bastante distintas das que têm hoje em dia. Os ditadores não eram, segundo o direito romano, déspotas absolutos que governavam acima da lei. Tinham um mandato, geralmente de um ano, e seu poder de exceção era delegado pelo senado para que este liderasse a retomada de controle em algum tipo de situação limite pela qual a cidade estivesse eventualmente passando. Já a palavra “Imperator”, durante o período republicano, equivalia a algo como “comandante”, assim como o príncipe (princeps) era “apenas” o “primeiro cidadão” - um título de prestígio, sem sombra de dúvidas, mas ainda muito distante do que representaria posteriormente. O imperador não era, definitivamente, um rei. O desejo de tomar para si um título monárquico era motivo de repúdio para o povo de Roma, que nutria um profundo sentimento de liberdade e cidadania, mesmo que o mesmo se mostrasse, na maioria das vezes, uma mera formalidade. Por conta disso, na fundação do império Augusto (Otavio/Otaviano) conseguiu a façanha de submeter a republica à autoridade de um príncipe sem que isso conduzisse ao desaparecimento de suas instituições tradicionais.

A natureza em si do chamado “Império Romano”, nascido oficialmente em 27 AC, é imprecisa e surpreendente, já que não se tratava de um Estado territorial nacional, um regime totalitário nem, muito menos, uma monarquia absoluta. Os romanos herdaram a aversão a este conceito de seus antepassados fundadores da republica, notadamente de um herói conhecido como Bruto (de quem o Bruto tristemente célebre pelos episódios dos “Idos de março” descendia), que liderou a deposição do último monarca em 509 AC. Prova disso é que o senado continuou a funcionar, mesmo que com significativa redução de poderes administrativos enquanto assembléia política, durante o império. Manteve-se, inclusive, a célebre inscrição SPQR (Senatus Populusque Romanus, "O Senado e o Povo Romano") como nome oficial do estado – inscrição presente ainda hoje no brasão da cidade e em boa parte de seus edifícios, públicos ou privados.

A renovação de meu interesse pela História de Roma se deveu, principalmente, à soberba minissérie co-produzida pelos canais HBO, BBC e RAI – não por acaso a mais cara produção já feita para a televisão. Ela narra, em sua primeira temporada, a História da ascensão de Julio Cesar, ao lado das aventuras (e desventuras) dos legionário Lucius Voreno e Titus Pulo, parcialmente baseados em personagens reais mencionados no Commentarii de Bello Gallico ("Comentários sobre a Guerra Gálica"), um texto do próprio Júlio César. Evidentemente que é tudo devidamente romanceado e adaptado para que o rigor histórico não atrapalhe a fluidez da narrativa. É, no entanto, uma das melhores e mais fiéis representações do período que conheço. Nela o expectador se vê envolvido pela personalidade cativante de Cesar, ao mesmo tempo em que acompanha a vida de inúmeros personagens secundários, reais ou fictícios, com suas intrigas palacianas, ritos religiosos, relacionamentos amorosos ou a simples e diária luta pela sobrevivência num período conturbado e assolado por guerras civis.

Boa parte do sucesso de “Roma” se deve à magnífica interpretação de seu elenco. Há, inclusive, pouco a se destacar neste quesito, já que todos entregam excelentes atuações. Além disso, a série promove um primoroso desenvolvimento psicológico dos personagens, sempre baseado no que nos foi legado pelos registros históricos, ou do que se pode deduzir através deles. Vemos, portanto, um Julio Cesar astuto e ousado porém comedido e clemente, tendo como braço direito um típico soldado cujo caráter foi moldado no campo de batalha: Marco Antonio, um bruto. Charmoso, porém bruto. Falando nele, temos também Brutus, ou Marco Júnio Bruto, primo distante supostamente tido como filho pelo ditador e um de seus assassinos – curioso notar que, na série, Cesar não menciona a famosa frase que levou o nome de Brutus à posteridade através, principalmente, da peça de Willian Shakespeare.

Bruto era filho da amante de César, Servília, que na série vive em atrito com a sobrinha do general, Átia, mãe de Otávio, futuro imperador. É bastante interessante a forma como é retratada a figura de Otávio, sempre atento às intrigas e artimanhas políticas. Nos registros históricos, pouco ou nada se sabe de sua vida quando criança e adolescente. Na série, ele acaba se tornando amigo do legionário Titos Pulo, que, sob as ordens de sua mãe, insiste em iniciá-lo em atividades para os quais ele tem pouco ou nenhum interesse, como o combate corpo-a-corpo – incluindo aí o sexo. “Você já penetrou alguém?”, lhe pergunta Átia em uma determinada cena. Diante do constrangimento do rapaz, ela intui que não e instrui Pulo a levá-lo a um prostíbulo, onde ele terá à sua disposição uma variada gama de “espécimes” para satisfazer seus instintos primários (mesmo que, aparentemente, inexistentes). Pouca gente leva fé no retraído Otavio, até que ele aos poucos vai dizendo a que veio e, numa das viradas de página mais memoráveis da história, chega ao poder máximo depois de derrotar seus principais antagonistas, notadamente Marco Antonio, então aliado de Cleópatra, a rainha do Egito.

A representação de Cleópatra, diga-se de passagem, é soberba, muito mais próxima do que parece ter sido a realidade e distante da figura “hollywoodiana” encarnada por Elizabeth Taylor. Ela é franzina e não possui uma beleza clássica, muito embora disponha de um poder de sedução como poucas mulheres tiveram ao longo do tempo. Não por acaso levou para a cama e influenciou nas decisões de alguns dos homens mais poderosos de sua época. A série se dá ao luxo, inclusive, de fazer uma deliciosa brincadeira com relação à verdadeira paternidade do rebento que a rainha teve e dizia ter sido fruto de uma noite de amor com Julio Cesar. O general romano havia ido ao Egito em perseguição ao seu arquiinimigo Pompeu Magno e acabou resolvendo se estabelecer provisoriamente em Alexandria, com o intuito de mediar a disputa pelo trono entre os dois filhos de Ptolomeu XII, o monarca falecido. Acabou ficando bem mais tempo do que previa, inclusive quando tudo estava, aparentemente, em paz. Deu-se umas férias, ao que tudo indica, embevecido pelo poder de sedução da jovem rainha. A história de Cleópatra, por sinal, é tão rica e fascinante que já foi exaustivamente explorada por todos os meios artísticos possíveis, da ópera ao teatro, passando pelo cinema e pelas Histórias em quadrinhos. No cinema, tornou-se célebre o filme de 1963 dirigido por Joseph L. Mankiewicz, mas existem inúmeras outras produções de maior ou menor interesse, dentre elas uma brasileira, dirigida por Julio Bressagne e estrelada por Miguel Falabela e Alessandra Negrini.

A desejar em “Roma”, a série, apenas a ausência das encenações de grandes combates, como estamos acostumados a ver nas superproduções cinematográficas, algo que, aparentemente, mesmo a mais cara produção televisiva não teve poder de fogo para bancar. Somente na segunda temporada, que é tão boa ou ainda melhor que a primeira, nos é mostrada finalmente, em todo o seu esplendor, uma grande batalha, a que resultou na morte e derrota final dos assassinos do ditador. Não mostra, no entanto, a célebre Batalha naval de Áccio, quando a frota egípcia foi derrotada pela esquadra de Otávio. Por outro lado, a liberdade artística nos proporciona, também nesta temporada, algumas cenas inusitadas e divertidas, como a que mostra o constrangimento do casal formado por Marco Antonio e Otavia, irmã de Otaviano, levado a cabo apenas por conveniência política. Na série, o triúnviro é amante da mãe deles, Átia, mas não se furta ao direito de gozar dos benefícios do matrimônio mesmo assim: pede para que ela se posicione de quatro e manda ver. Imperdíveis também as aparições-relâmpago de um gordinho canastrão que é uma espécie de “Jornal Nacional” da cidade: está sempre lendo as notícias e os decretos oficiais com direito a trejeitos teatrais e, pasmem, “intervalos comerciais”!

Para quem quiser saber um pouco mais sobre o que aconteceu antes dos fatos descritos na séria, a dica é o livro “Rubicão – O triunfo e a tragédia da República romana”, de Tom Holland. Nele estão narradas as sementes do conflito que resultou na guerra civil entre Cesar e Pompeu, ou entre os pretensos defensores da plebe e os conservadores, com forte presença no senado. Tudo começou quando Tibério Graco, um nobre de alta linhagem, buscou restabelecer a classe camponesa, formada por pequenos proprietários livres, tendo em vista que as legiões romanas dependiam tradicionalmente do recrutamento dos cidadãos das zonas rurais, qualificados para o serviço militar por meio da posse de um pedaço de terra (o “censo”). Foi instaurada uma lei agrária, violentamente combatida pelos aristocratas conservadores no senado. Em 107 AC Caio Mário, de origem plebéia, foi eleito cônsul e tentou resolver a questão instituindo a redistribuição de lotes de terra como premiação destinada a recompensar o serviço militar prestado à república. Onde buscar estas terras, no entanto, senão através da implantação de uma reforma agrária, tão temida pela nobreza? A questão foi resolvida com a extensão dos direitos de cidadania aos aliados de Roma e o retorno do sistema de voluntariado, o que favoreceu o recrutamento de exércitos numerosos que se tornaram fonte de prestígio para os grandes generais, chamados imperatores. Julio Cesar era um deles e foi herdeiro político da disputa iniciada pela reforma de Tibério Graco. Seu incrível poderio militar possibilitou-lhe a chance de reivindicar também o poder político, o que fez ao lançar a sorte atravessando o Rubicão e marchando sobre Roma (“Alea jacta est”).

O primeiro general a quebrar o tabu e levar suas tropas às muralhas da cidade, no entanto, foi Sula, ditador vitalício, como Julio Cesar, que era sobrinho de Mario, seu maior inimigo. Em “Rubicão”, o livro, conhecemos sua história, bem como a de inúmeros outros personagens fascinantes deste florescente período da antiguidade clássica. Dentre eles Espartaco, o escravo rebelde que ousou desafiar o império, e Mitrídates, rei do Ponto, um dos maiores e mais bem sucedidos inimigos da republica romana, derrotado por Pompeu, o grande. Pompeu era o mais vitorioso e mais adorado homem de Roma até o triunfo de Cesar. Para derrotar seu desafeto, uniu-se a Cícero, o mais brilhante orador de seu tempo, e a Catão, tio de Bruto, um dos assassinos de César. Catão era um político célebre pela sua inflexibilidade e integridade moral - partidário da filosofia estóica, era avesso a qualquer tipo de suborno.

Um dado curioso a se notar é que em vários trechos de “Rubicão” o autor, Tom Holland, parece tomar partido dos adversários de Cesar em nome de uma suposta defesa dos “ideais republicanos”. Tratava-se, no entanto, de uma republica aristocrática, dominada pela nobreza através de eleições viciadas e corrompidas em detrimento da “plebe”, que habitava a cidade mas, por não possuir direitos políticos nem civis, formava um mundo à parte. Isso, somado a inúmeros outros fatores, como a perpetuação da escravidão, faz com que eu, pessoalmente, não consiga ter lá grandes simpatias pelo sistema de governo anterior a Cesar – que não era nenhum santo (muito embora tenha sido divinizado após sua morte), evidentemente, mas era em nome da plebe que falava, a princípio, não sendo, portanto, de se estranhar o apoio popular que detinha. Já na série, “Roma”, a dicotomia entre os novos e os velhos tempos é simbolizada pela figura de Lucius Vorenus, sempre atormentado pela aparente contradição entre a lealdade ao comandante de sua legião e seus ideais republicanos.

É a personalidade magnética e agregadora de Cesar que domina a narrativa da série. Nela o ditador e seu fiel escudeiro, Marco Antonio, têm status de protagonistas, ou seja, o enfoque maior é sobre eles, o que pode dar a impressão de que há alguma espécie de divisão maniqueísta, do tipo “bandidos e mocinhos”, mas não é bem por aí. Basta ver que, conforme relatado pelos registros históricos e retratado na tela, Cesar ficou indignado com a forma, a seus olhos indigna, com que seu adversário, Pompeu Magno, foi assassinado, já que se tratava de uma personalidade merecedora de todo o respeito. Há quem veja neste episódio uma encenação teatral, mas diante do que li a respeito da personalidade dos romanos, acho possível acreditar na sinceridade do líder. Além do mais Cesar é visto, também em “Roma”, tomando, sem nenhum grande drama de consciência, atitudes questionáveis, embora corriqueiras, mesmo para a moral de sua época, como o suborno. E o que dizer de executar um inimigo vencido, o Rei Vercingétorix, em público, durante seu “triunfo”? Mesmo fim suspeita-se que teria Cleópatra diante de Otávio, caso não tivesse optado por sair de cena via suicídio. Visto pelos olhos de hoje, uma barbaridade.

No fim das contas, fica difícil emitir juízos de valor sobre uma civilização tão distante, mesmo que sua herança cultural seja imensa e esteja presente em nosso dia-a-dia ainda até os dias de hoje (os meses de julho e agosto, por exemplo, são homenagens ao primeiro imperador e a seu mentor). Melhor mesmo é se divertir com as fascinantes histórias de intriga, sangue e luxúria – e, por tabela, aprender um pouco mais sobre a História e o longo caminho que nos trouxe até aqui. Eles que eram romanos que se entendessem, enfim.

Ou não – o que parece que acontecia com maior freqüência.

por Adelvan

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Sexo, mentiras e togas - Intrigas, traição, sexo, interesses econômicos, corrupção, guerras, tortura e escândalos, muitos escândalos. Todos esses são ingredientes perfeitos para se contar uma grande história. E nos quase 2 mil anos que se passaram desde o fim do império romano, nenhuma outra civilização reuniu todos esses ingredientes de maneira tão espetacular. Os romanos inspiraram projetos de nações, como os Estados Unidos, determinaram o conceito de justiça e organização política no ocidente e foram determinantes na formação de línguas como português, inglês e italiano. Se nas últimas décadas a cultura romana sofreu um forte revés em sua influência com o fim das aulas obrigatórias de latim nas escolas, agora a influência romana volta renovada em mídias como cinema, televisão, videogame, e até livro de auto-ajuda para empresários.

Um bom ponto de partida para se entender a complexa e contraditória sociedade romana é o livro Rubicão - O Triunfo e a Tragédia da República Romana, do escritor inglês Tom Holland. Rubicão, que dá título ao livro, era um pequeno rio próximo de Roma. Ao cruzá-lo os soldados romanos deveriam depor suas armas, pois dentro de Roma somente os cidadãos poderiam circular. Quando Júlio César cruza o Rubicão com suas tropas, marca o fim da República. O livro retrata justamente os 30 anos que antecedem esse acontecimento. A obra é um genial trabalho de história pop. A apuração do livro impressiona pelos detalhes e pela quantidade de informações, sem ser chato ou cansativo, porque muito bem escrito. Trata-se de uma grande reportagem com ares de romance e muitas surpresas (dependendo de quantas aulas de História você faltou). Por exemplo, como você imagina o maior império mundial em seu auge? Limpo, seguro e organizado? Roma estava longe de ser assim. A cidade era caótica, construída sem qualquer planejamento, a sujeira invadia as ruas, mulheres se prostituíam nos cemitérios, e não raro assassinatos eram cometidos em plena luz do dia. Ao mesmo tempo, os romanos eram temidos no mundo inteiro por seu poder e riqueza.

Os romanos pareceriam alienígenas para nós tamanha a diferença de crenças. Se por um lado eles viviam em uma sociedade de sexo sem limites, por outro eram profundamente religiosos e conservadores. A tradição sempre esteve em primeiro lugar. E, contraditoriamente, boa parte da desorganização da sociedade romana foi causada pelo eficiente sistema de governo, no qual o cargo de comando da nação era dividido. Duas pessoas ocupavam ao mesmo tempo o cargo de cônsul durante um ano. A idéia era garantir que um governante jamais tivesse o poder de um rei, como acontecia no passado, e que ninguém fosse mais importante que a República. A sociedade romana acreditava na honra, mas apenas perante a República, não necessariamente com amigos, familiares ou o povo. A glória pessoal estava diretamente ligada à glória da República, uma das razões pela qual os soldados romanos eram quase imbatíveis. Além da violência e brutalidade incomuns, os romanos eram motivados pelo fato de que, subindo na hierarquia militar, aumentavam sua influência na sociedade. Também eram hábeis para incorporar as descobertas e tecnologias dos territórios que conquistavam. Ao implementar a espada com dois gumes, por exemplo, ficaram à frente dos inimigos orientais, que usavam cimitarras, com um único gume. A espada de dois gumes era terrível ao perfurar os inimigos, destruindo os órgãos internos. Muito mais eficiente que a cimitarra.

Traçar paralelos entre Roma e os Estados Unidos é irresistível e as coincidências são muitas. Mitrídates, um rei do Oriente, executou 80 mil romanos em um único dia para humilhar e abalar economicamente Roma. A resposta romana foi imediata e devastadora. Roma tratou Mitrídates como um terrorista e vendeu aos cidadãos a idéia de que a sobrevivência de sua nação estava necessariamente ligada a uma 'guerra ao terror' vindo do Oriente. Derrotado, Mitrídates fugiu e passou muitos anos escondido, fugindo dos romanos. Guardadas as proporções, são inegáveis as semelhanças com os Estados Unidos e o atentado do 11 de Setembro, a guerra contra a Al Qaeda e Osama Bin Laden. Curiosamente, Mitrídates, anteriormente ao massacre que promoveu, também foi um aliado romano, assim como Osama fora aliado dos EUA antes do 11 de Setembro. Romanos também usavam de tortura contra seus inimigos, além de usar seu poder econômico e força militar para impor sua vontade. Também era uma sociedade altamente militarizada, religiosa e tradicionalista. E o imperador Otávio (depois nomeado Augusto) também usou provas forjadas para incitar o Senado romano a atacar Cleópatra, assim como Tony Blair fez com o Parlamento inglês e as provas sobre armas de destruição em massa. Mas o autor Tom Holland diz que comparações são possíveis, no entanto faz ressalvas. 'Há a guerra, sim, mas os americanos comparados aos romanos são incrivelmente humanos. Em um caso como o de Fallujah, os romanos seriam infinitamente mais brutais: teriam crucificado todos', diz Holland.

Paralelos são sempre arriscados, mas Roma e o colapso que se seguiu à falência das instituições da República romana servem como alerta para toda potência que coloca os interesses pessoais e a vaidade à frente dos interesses da nação.

NOVIDADES ATUAIS SOBRE ROMA

Em 2000, o filme Gladiador estreou levando multidões aos cinemas e repetindo o feito do filme Spartacus, de 1960, que narrava a saga de um escravo que comanda uma revolta de gladiadores contra os governantes romanos.

Em 2005 foi a vez da minissérie Roma, que estreou no canal a cabo HBO. A superprodução gerou polêmica por causa das semelhanças da história de Júlio César, Marco Antônio e Otávio com episódios envolvendo governantes norte-americanos.

Em 2006 foi lançado o videogame Capcom Shadow of Rome. O jogo se passa no período seguinte ao assassinato de Júlio César. Os personagens Agrippa e Otávio caçam o assassino do imperador. O jogo pode ser conduzido de duas maneiras. Com Agrippa, é sangrento e altamente violento. Com Otávio, é estratégico. O jogo é bastante violento e, apesar de clichês como mulheres misteriosas e vilões sádicos que dizem 'vou fazer você pagar por isso', não irá decepcionar os fãs.

A mais curiosa novidade é o livro Rome, Inc., recém-lançado nos Estados Unidos. O autor, Stanley Bing, alterego de Gil Schwartz, relações-públicas da rede de TV CBS, defende a tese de que Roma foi um bem administrado negócio. Ele diz que os romanos criaram uma corporação multinacional, com um modelo de negócios que contava com uma coerente estrutura de gerência e gananciosos executivos. Júlio César, por exemplo, é apontado como um eficiente CEO que possuía todas as qualidades que hoje podem distinguir um executivo: maligno, cruel e narcisista, que tinha a capacidade de inspirar amor e ódio ao mesmo tempo. O livro, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, é bastante divertido e mistura piadas com boas pitadas de História.

por GUILHERME RAVACHE

Fonte: Revista Época

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Trecho do livro Rubicão - O Triunfo e a Tragédia da República Romana, de Tom Holland 


A REPÚBLICA PARADOXAL 
Vozes ancestrais
No princípio, antes da República, Roma era governada por reis. Acerca de um deles, um tirano soberbo chamado Tarqüínio, conta-se uma história muito estranha. Certa vez ele foi procurado em seu palácio por uma velha que carregava nos braços nove livros. Quando ela os ofereceu a Tarqüínio, ele deu uma gargalhada, tão fabuloso era o preço que ela cobrava. Sem qualquer tentativa de barganha, a velha deu-lhe as costas e partiu em silêncio. Ela queimou três daqueles livros e retornou à presença do rei, a quem ofereceu os volumes restantes pela mesma quantia que cobrara antes. Novamente, embora já não tão seguro de si como antes, o rei recusou a proposta e a velha, novamente, partiu sem dizer uma única palavra. Àquela altura Tarqüínio já estava nervoso por não saber o que havia rejeitado, portanto quando a misteriosa velha apareceu novamente, dessa vez com três livros apenas, ele apressou-se em comprá-los, embora tivesse que pagar a quantia que ela havia inicial­mente cobrado pelos nove. Ao receber o dinheiro, a velha desapareceu e nunca mais foi vista.

Quem teria sido ela? Seus livros continham profecias tão poderosas que os romanos logo se deram conta de que somente uma única mulher podia tê-los escrito - a Sibila. Porém tal identificação gerava outras perguntas, pois as lendas contadas sobre a Sibila eram estranhas e enigmáticas. Partindo do pressuposto de que ela havia previsto a Guerra de Tróia, os homens debatiam a possibilidade de ela ser um composto de dez profetisas, ou de ser imortal ou, ainda, de estar destinada a viver mil anos. Alguns - os intelectualmente mais sofisticados - chegavam mesmo a duvidar de sua existência. De fato, apenas duas coisas podiam ser afirmadas com certeza - que seus livros, escritos em um grego antigo cujos traços pareciam ter sido feitos por aranhas, realmente existiam, e que neles estava configurado o que viria a acontecer. Os romanos, graças à intuição, ainda que tardia, de Tarqüínio para a boa compra, passaram a ter uma janela aberta para o futuro do mundo.­

Na verdade, isso não ajudou muito a Tarqüínio. Em 509 a.C. ele sucumbiu a um golpe palaciano. Os reis haviam governado Roma por mais de duzentos anos, desde a fundação da cidade, porém Tarqüínio, o sétimo deles, seria também o último.* Com sua expulsão, a monarquia foi destituída e em seu lugar foi proclamada uma república livre. A partir de então o título de “rei”, que passaria a merecer um ódio patológico do povo romano, seria uma palavra que ele não suportava sequer ouvir. Liberdade havia sido a palavra-chave no golpe contra Tarqüínio e sua liberdade, a liberdade de uma cidade que não tinha um senhor, passaria a ser um direito inalienável, a própria medida do cidadão. Para protegê-la da ambição de possíveis futuros tiranos, os fundadores da República chegaram a uma notável solução. Cuidadosamente dividiram os poderes do exilado Tarqüínio entre dois magistrados, ambos eleitos, a quem não seria permitido exercê-los por mais de um ano. Esses eram os cônsules,** e a presença deles à frente de seus concidadãos, um vigiando as ambições de poder do outro, era a expressão mesma do princípio que regia a República - o de que nunca mais seria permitido a um único homem ser o governante supremo de Roma. Contudo, por mais surpreendente que a inovação do consulado possa ter parecido, ela não foi tão radical a ponto de cortar todos os laços dos romanos com seu passado político. Além da monarquia, pouco mais foi abolido. As raízes da nova República tinham origens em um passado remoto - algumas em tempos de fato bem distantes. Os próprios cônsules, por privilégio de ofício, vestiam togas debruadas de púrpura como os antigos reis. Quando consultavam as profecias, observavam ritos que datavam de épocas anteriores à própria fundação de Roma. A mais fabulosa fonte de profecias, é claro, eram os livros deixados por Tarqüínio, os três misteriosos rolos de profecias, os escritos da anti­qüíssima e quiçá atemporal Sibila.

Tão importantes eram as informações ali contidas que o acesso a elas obedecia a regras estritas, como segredo de Estado que eram. Quem fosse apanhado copiando-as seria colocado dentro de um saco em seguida costurado e atirado ao mar. Somente em circunstâncias extremamente ameaçadoras, quando acontecimentos assombrosos avisavam a República de catástrofes iminentes, era permitida a consulta àqueles livros. Então, exauridas todas as alternativas de ação, os magistrados especialmente designados para tanto acorriam ao templo de Júpiter, onde os livros eram mantidos em segurança máxima. Os rolos eram desfeitos. Os dedos acompanhavam as linhas já bastante apagadas da escrita grega. As profecias eram decifradas e nelas se colhiam os conselhos para melhor apaziguar a fúria dos céus.

E sempre se encontravam conselhos. Os romanos, um povo tão prático quanto devoto, não tinham paciência com fatalismos. Interessavam-se por conhecer o futuro apenas porque acreditavam que assim melhor pudessem controlá-lo. Sangue que caía do céu em forma de chuva, fogo que saía por fendas na terra, ratos que comiam ouro: fatos prodigiosos e assustadores como estes eram considerados uma espécie de cobrança celeste, de aviso ao povo romano de que este tinha contas atrasadas a acertar com os deuses. Para se recuperar o crédito podia ser necessária a introdução de um culto novo, a adoração de uma divindade até então desconhecida na cidade. Com maior freqüência, porém, essas consultas inspiravam reformulação de planos e os magistrados procuravam desesperadamente identificar as tradições que pudessem ter sido negligenciadas. Que se restaurasse o passado, a maneira como as coisas haviam sempre sido, e a segurança da República estaria assegurada.
Essa era uma presunção que os romanos carregavam no fundo de suas almas. No século que se seguiu à sua criação, a República foi abalada repetidas vezes por novas convulsões sociais, pela demanda das massas por direitos civis cada vez mais amplos e por contínuas reformas constitucionais - e ainda assim, ao longo de todo esse turbulento período de transformações, o povo romano jamais deixou de demonstrar seu profundo desapreço por mudanças. As novidades, para os cidadãos da República, tinham conotações sinistras. Pragmáticos que eram, poderiam aceitar inovações se essas lhes fossem apresentadas como vontade dos deuses ou um costume antigo, mas nunca as aceitavam por si sós. Igualmente conservadores e flexíveis, os romanos mantinham o que dava certo, adaptavam o que não havia dado certo e preservavam como sagradas as tradições que lhes haviam servido. A República foi, ao mesmo tempo, um canteiro de obras e um depósito de tradições descartadas. O futuro de Roma foi construído sobre os fragmentos desordenados de seu passado.

Os romanos, porém, longe de verem nessas circunstâncias um paradoxo, aceitavam-nas com naturalidade. De que outra maneira esperava-se que eles investissem em sua cidade se não pela manutenção dos costumes de seus ancestrais? Analistas externos, que tendiam a considerar “superstição”1 a religiosidade dos romanos e a interpretá-la como forma de dominação exercida sobre as massas por uma classe governante cínica, fizeram uma leitura equivocada de sua essência. A República não era como os outros Estados. Enquanto as cidades dos gregos eram constantemente devastadas por guerras civis e por revoluções, Roma mostrava-se impérvia a tais desastres. Nem uma única vez, apesar de toda a agitação social do primeiro século de existência da República, o sangue de seus cidadãos foi derramado em suas ruas. Como era típico dos gregos reduzir o ideal de cidadania a sofismas! Para um romano, nada era mais sagrado e prezado que esse seu ideal. Afinal, era esse ideal que o definia. A coisa pública - res publica - era o próprio significado de “república”. Somente ao se ver refletido no olhar de seus concidadãos era que um romano verdadeiramente se reconhecia como homem.

E reconhecia-se também ao ouvir seu nome de muitas bocas. O bom cidadão na República era aquele reconhecido como tal. Os romanos não estabeleciam diferença entre excelência moral e reputação e tinham para ambos os conceitos a mesma palavra: honestas. A aprovação de toda a cidade era o maior - na verdade, o único - teste de valor. Cidadãos revoltados partiam para as ruas para reivindicar acesso a maiores honrarias e glórias. As agitações civis acabavam inevitavelmente por inspirar novas magistraturas: edil e tribuno em 494, questor em 447, pretor em 367. Quanto mais cargos houvesse, maior seria o alcance das responsabilidades; quanto maiores as responsabilidades, maiores eram as oportunidades de realização e de reconhecimento. Ser louvado era a ambição máxima de todo cidadão - da mesma forma que o opróbrio público era o que ele mais temia. Não eram as leis e sim a consciência de estarem sendo constantemente observados o que impedia que o senso de competição dos romanos se degenerasse em ambição egoísta. Por mais dura e implacável que fosse a constante competição pela excelência, não podia haver lugar para a vanglória indisciplinada. Colocar a honra pessoal acima dos interesses de toda a comunidade era um comportamento digno de um bárbaro - ou, pior ainda, de um rei.


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O escritor Tom Holland é formado em Inglês e Latim por Cambridge e PhD em Literatura pela universidade de Oxford. Seus primeiros livros eram romances de terror que receberam boas críticas. É autor de séries históricas para rádio baseadas em clássicos de Virgílio e Homero. Estreou escrevendo um livro sobre história com Rubicão - O Triunfo e a Tragédia da República Romana, com o qual conquistou críticos e uma legião de leitores que o transformaram em best-seller. Seu último livro, ainda não publicado no Brasil, é Persian Fire, que narra as guerras persas com o Ocidente. De sua casa em Londres, o autor conversou por telefone com a reportagem de ÉPOCA Online.

ÉPOCA ONLINE - Por que as pessoas hoje estão tão interessadas em Roma?
Tom Holland -
Acredito que o interesse das pessoas pela cultura romana desde o Renascimento é um reconhecimento de que a cultura clássica romana é a base da cultura Ocidental, o mesmo acontece com o interesse pelos séculos XIV e XV. Mas acredito que o sucesso atual dos romanos esteja ligado ao sistema de ensino de hoje em dia. Há uns 30 anos se estudava Latim na escola e a história romana também era estudada. Hoje não se estuda mais esse material fascinante e extraordinário, cheio de significados na medida em que determinou o caminho do qual se formou nossa cultura e sociedade. Como as pessoas não estão tendo chances de estudar isso na escola, estão encontrando meios próprios de descobrir essa história.

ÉPOCA ONLINE - É possível criar paralelos entre a história atual e a história de Roma?
Holland -
Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, ficou muito claro como nossos problemas atuais têm raízes na História Antiga. Se você pensar no conflito atual com os árabes e lembrar dos conflitos romanos com os árabes, é possível traçar um paralelo do Império Romano com o imperialismo dos Estados Unidos.

ÉPOCA ONLINE - Quando você escreveu o livro pensou em traçar comparações entre Estados Unidos e Roma?
Holland -
Comecei a escrever o livro antes de 2001 (ano do atentado às Torres Gêmeas). No início eu estava interessado em mostrar o paralelo entre o atual mundo globalizado e a Roma Antiga, a experiência do encontro de culturas, de diferentes culturas em uma vasta estrutura. As conquistas romanas aproximaram gregos e egípcios forçando-os a absorver a cultura romana, influenciando e sendo influenciados. Eram diferentes religiões, diferentes deuses, diferentes formas de governo.

ÉPOCA ONLINE - E o que mudou?
Holland -
Enquanto eu escrevia o livro, algo engraçado aconteceu. Eu estava escrevendo sobre uma história de mais de 2 mil anos, mas parecia que os noticiários da TV eram ecos do passado, as coisas pareciam estar se repetindo de algum modo. Um exemplo: Mitrídates foi um rei que levou seu país a entrar em guerra com os romanos e, em um único dia, comandou a execução de 80 mil romanos. Foi um deliberado ataque ao prestígio e à economia romana. E eu estava escrevendo isso quase ao mesmo tempo que ocorriam os atentados de 11 de Setembro. Outro exemplo: quando Otávio inventou provas para encorajar o Senado a entrar em guerra com Cleópatra. Depois de alguns dias que escrevi essa parte, Tony Blair apresentou as evidências fabricadas (da existência de armas de destruição em massa) para motivar o Parlamento inglês a aprovar a invasão do Iraque.

ÉPOCA ONLINE - A histórica é cíclica, é da natureza humana repetir seus erros e acertos?
Holland -
Acredito que seja muito mais cultural do que propriamente da natureza humana. É verdade que as coisas se repetem, mas o fato é que no Novo Mundo a cultura romana foi muito influente. Não é coincidência que em Washington exista um Senado e o 'Capitol Hill' como na Roma Antiga, inclusive em uma colina. Os Estados Unidos, de certa forma, conscientemente tentaram trazer Roma de volta à vida. E a América Latina de alguma forma também. Há ecos de Roma na América do Sul também.

ÉPOCA ONLINE - Mas como Roma e Estados Unidos se tornaram potências?
Holland -
Há paralelos não só políticos, mas culturais e sociais também. Para os romanos, era muito importante ser o número um no mundo, assim como é para os americanos. Romanos queriam que as pessoas reconhecessem seu poder, seu prestígio, sua primazia.

ÉPOCA ONLINE - Com tantos paralelos, seria possível os americanos terem o mesmo destino dos romanos?
Holland -
Não acredito que os Estados Unidos venham a ser uma ditadura. Apesar dos paralelos, os Estados Unidos não são Roma. Há a guerra, sim, mas os americanos, comparados aos romanos, são incrivelmente humanos. Em um caso como Fallujah, por exemplo, os romanos seriam infinitamente mais brutais, os romanos teriam crucificado todos.

ÉPOCA ONLINE - Mas... e Guantánamo e Abu Graib (prisões americanas em Cuba e no Iraque onde há denúncias de tortura), por exemplo?
Holland -
Os romanos sequer capturavam prisioneiros, eles executavam todos com inigualável nível de crueldade. É algo muito chocante do ponto de vista atual. Não gosto que se leia Rubicão como um exato paralelo entre Roma e os Estados Unidos porque não são iguais.

ÉPOCA ONLINE - O poder econômico também foi muito influente em Roma, não?
Holland -
Sim, eles não tinham as companhias totalmente capitalistas como temos atualmente, havia uma mistura de iniciativas privadas com públicas. Eram comuns licenças do estado para serem exploradas por algumas pessoas. Mas a política sempre esteve em primeiro lugar. As pessoas gostam de pensar que nossas origens estão na Grécia, por ser uma cultura mais 'bela', voltada às artes, mas de fato estamos mais ligados à Roma. Veja o exemplo do filme Gladiador (2000). Uma das razões pelas quais o filme funcionou tão bem foi o fato de Hollywood priorizar o espetáculo, assim como os romanos faziam. Uma das razões do sucesso de Roma na TV e no cinema atualmente se dá pelo fato de que os romanos valorizavam muito o espetáculo. Então fica muito fácil transformar a história deles em espetáculo.

ÉPOCA ONLINE - Na América Latina ainda vale muito a expressão romana "pão e circo". Dê pão e diversão ao povo que ele ficará quieto e conformado. Isso é verdade?
Holland -
Eu vejo o Brasil durante o carnaval e percebo muitas semelhanças com Roma. Na república romana, uma das regras determinava que não se construíssem templos ou obras gigantescas porque ninguém poderia se comparar ao poder da república. Não poderia haver grandes teatros. As festas tinham que acontecer na rua. Eram gigantescas festas, grandes carnavais que duravam dias. Acho que o carnaval brasileiro em um certo sentido lembra as festas romanas. E as favelas brasileiras também lembram Roma, a cidade era completamente caótica, sem planejamento.

ÉPOCA ONLINE - Qual o segredo do sistema romano? Por que temos semelhanças com Roma, mas não somos uma potência?
Holland -
O brilhantismo do sistema romano foi criar um ambiente onde as pessoas estavam em uma constante competição por glória e honra. E a glória pessoal estava diretamente associada à glória da República. Se você aumentava a glória da República, aumentaria a sua glória. Isso funcionava porque todo romano acreditava ser possível esse sistema.

ÉPOCA ONLINE - Sexo, traições, César tendo relações sexuais com outros homens. Isso não está nos livros escolares...
Holland -
A sexualidade dos romanos é estranha, distante para nós, mas era um contexto completamente diferente. Temos essa impressão de que Roma era uma sociedade de sexo sem parar, sem culpa ou problemas. Mas isso não é verdade, romanos eram muito puritanos de um modo diferente do que existe no mundo moderno. Eles eram extremamente ligados à religião.

ÉPOCA ONLINE - Que ponto na história marca essa mudança de perspectiva do conceito de certo e errado da sociedade romana?
Holland -
Diversos fatores nos últimos séculos contribuíram para essa mudança, mas o racismo e a crueldade daquela cultura foram atacados pela ideologia cristã. A era cristã marcou uma mudança radical.

ÉPOCA ONLINE - Qual o tema de seu último livro?
Holland -
É sobre a guerra persa. Gosto de retratar o choque de civilizações, o conflito entre Ocidente e Oriente.

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(Wikipédia) Rubicão (Rubico, em latim; Rubicone, em italiano) é o antigo nome latino de um riacho no norte da Península Itálica. Na época romana, corria para o Mar Adriático entre Ariminum (atual Rimini) e Cesena. A identidade moderna do rio é discutida, mas alguns o identificam com o rio Pisciatello, na Província de Forlì-Cesena.
O rio ficou conhecido pelo fato de que o direito romano no período da República proibia qualquer general romano de atravessá-lo acompanhado de suas tropas, retornando de campanhas ao norte de Roma.
Tal medida visava a impedir que os generais manobrassem grandes contigentes de tropas no núcleo do Império Romano, evitando riscos à estabilidade do poder central. O curso d´água marcava então a divisa entre a província da Gália Cisalpina e o território da cidade de Roma (posteriormente, a província da Itália).
Quando Júlio César atravessou o Rubicão, em 49 a.C., presumivelmente em 10 de janeiro do calendário romano, em perseguição a Pompeu, violou a lei e tornou inevitável o conflito armado. Segundo Suetônio, César teria então proferido a famosa frase Alea iacta est (“a sorte está lançada”). O mesmo autor também descreve como César parecia indeciso ao se aproximar do rio e atribui a decisão de atravessar a uma aparição sobrenatural.
A frase “atravessar o Rubicão” passou a ser usada para referir-se a qualquer pessoa que tome uma decisão arriscada de maneira irrevogável, sem volta. O escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908) cita a expressão em seu romance Helena, quando o personagem Estácio decide pedir a noiva Eugenia em casamento: “ Transposto o Rubicão, não havia mais que caminhar direto à cidade eterna do matrimônio.”
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O general mais famoso do mundo era, na verdade, um mestre conciliador e um gênio da política. Seu nome virou sinônimo de imperador, mas ele nunca pisou no trono. Conheça os paradoxos da vida de Júlio César

por Reinaldo José Lopes
Os gênios, diz a lenda, nascem prontos. Quase todo mundo já escutou histórias intermináveis sobre Mozart encantando soberanos da Europa com meros 5 anos de idade, ou sobre Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo (literalmente) de imperador e general, as coisas ocorreram bem mais devagar. Ele teve de esperar a maturidade para conseguir mostrar a que veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do “Divino Júlio”, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais de dois milênios.

Ganhar fama de divino, aliás, era algo que andava nos planos da família de Caio Júlio César desde que Roma era Roma. Ou quase: há quem diga que, na verdade, a gens (família expandida ou clã, para os romanos) chamada Iulia viera de Alba Longa, uma cidade vizinha no Lácio. Seja como for, os orgulhosos antepassados de Caio Júlio diziam ter surgido de Iulus, um dos filhos de Enéias, o nobre troiano com pai mortal e mãe divina – ninguém menos que Vênus. “Assim, misturam-se à nossa raça a santidade dos reis, que tão poderosa influência exercem sobre os homens, e a majestade dos deuses, que mantêm debaixo de sua autoridade os próprios reis”, teria se vangloriado César, durante um discurso, de acordo com o historiador romano Suetônio, que viveu entre os anos 64 e 141.

Mania de grandeza à parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (a data exata é um tanto controversa), não teve muita chance de alardear ou de lucrar nada com sua origem divina durante a juventude. A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de república, com o poder distribuído (desigualmente, é verdade) entre os legisladores do Senado, o “poder executivo” representado pelos cônsules e a pressão constante do povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.

Esse sistema centenário e complicado não passou incólume pela onda expansionista que, durante os séculos 3 e 2 a.C., transformou Roma na senhora absoluta do Mediterrâneo. Os camponeses livres que antes formavam a base da sociedade, da economia e da força militar romana passaram a ficar cada vez mais para trás na competição com os grandes latifundiários e sua multidão de escravos capturados nas regiões dominadas. E, se o objetivo era conquistar, cada vez mais ter um comando militar significava ter o poder de fato, se não de direito. O resultado de toda essa mudança é que a vida política passou a se dividir em dois grupos informais. Eram os Optimates, o partido aristocrático, que não estava nem um pouco preocupado em aliviar os problemas sociais da nova superpotência, e os Populares, que reconheciam essa necessidade – no mínimo para tentar usar a seu favor a boa vontade do povo e do exército.

Ocorre que, assim como seu tio, o grande general Mário, César era um dos Populares – e eles sofreram um senhor golpe quando o líder aristocrático Sila derrotou Mário e se tornou o líder supremo da República em 82 a.C. Sila iniciou uma série de expurgos políticos depois de subir ao poder, e o jovem César precisou de uma boa dose de esperteza e sorte para escapar imaculado das perseguições. “Essa talvez seja a melhor explicação para o fato de César só ganhar destaque num momento relativamente tardio da sua vida. As circunstâncias fizeram com que pessoas do partido de Mário, como ele, fossem barradas pelo regime de Sila”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Talvez a ajuda de alguns amigos influentes entre a aristocracia tenha feito com que Sila poupasse a vida de César e o enviasse à Ásia para participar do cerco a Mitilene, uma cidade grega que havia se aliado ao maior inimigo de Roma na época, o rei Mitridates do Ponto (no atual mar Negro). Foi ali que ele conheceu o rei Nicomedes da Bitínia e iniciou com o nobre de origem helênica um relacionamento que muita gente chegou a considerar como amoroso.

Com ou sem esse caso de amor homossexual, o fato é que o período vivido na Ásia Menor foi uma experiência proveitosa para César. Como todos os jovens com aspirações políticas de seu tempo, ele se interessava por retórica e oratória, e decidiu partir para a ilha grega de Rodes para estudar os dois temas com os grandes mestres helênicos. É possível que sua fama de grande escritor (exemplificada pelos clássicos Da Guerra da Gália e Da Guerra Civil) se deva às lições que tomou nessa época.

Mas talvez o mais interessante tenha sido o que se deu durante a ida de César a Rodes. Se os escritores clássicos são dignos de crédito, a situação foi cinematográfica: capturado por piratas, o jovem César passou 40 dias em cativeiro enquanto aguardava seu resgate ser pago, conversando e brincando animadamente com seus captores e até exigindo que eles elevassem o valor que pediam por sua vida, por considerá-lo baixo demais. Em meio a toda essa camaradagem, contudo, César avisou que iria voltar depois de libertado e punir o bando todo. Claro que ninguém levou a ameaça a sério, mas a primeira coisa que o romano fez ao ser solto foi reunir uma frota, capturar os bandidos e mandar crucificá-los.

Como não há mal que sempre dure, Sila renunciou ao poder e morreu em 78 a.C., o que permitiu a César um retorno seguro a Roma e a possibilidade de iniciar uma carreira política. Logo tornou-se conhecido pela defesa de causas consideradas populares, como os direitos dos habitantes das províncias e a distribuição de terras a veteranos de guerras. Foi assim que ganhou seu primeiro comando militar importante, tornando-se procônsul da Hispânia – trecho da península Ibérica que englobava tanto áreas da Espanha quanto do atual Portugal.

César cumpriu com perfeição seu dever de pacificar os bárbaros locais, mas, conta o biógrafo grego Plutarco (que viveu no século 1), não estava satisfeito com o rumo de sua carreira até ali. Ao ler sobre os triunfos de Alexandre Magno, ele teria começado a chorar de repente. Seus amigos perguntaram qual era problema, e ele respondeu: “Não vos parece ser digno de tristeza que, na minha idade, Alexandre já era rei de tantos povos, enquanto eu ainda não consegui nenhum sucesso tão brilhante?”.

Verdade ou não, a anedota de Plutarco virou quase uma deixa para a ofensiva em busca do poder que César iniciou daí em diante. Ao lado de Crasso e Pompeu, dois aristocratas ambiciosos que haviam conseguido fama e influência graças a suas vitórias militares, César formou uma aliança que passaria a ser conhecida como o Primeiro Triunvirato. Ao contrário do que muita gente imagina, o nome nada tem a ver com um cargo oficial. Ao contrário: para os romanos da época, o acordo entre o trio virou sinônimo de uma panelinha secreta e sinistra, na qual cada um se dispunha a facilitar as ambições políticas do outro. Uma espécie de pacto de não-agressão.

Não demorou muito para que o acordo funcionasse em favor de César, que galgou o posto mais alto da República, o de cônsul, em 59 a.C. De quebra, ganhou o comando das províncias da Gália Cisalpina (a região da Itália entre os Alpes e o rio Pó) e do Illyricum, nos atuais Bálcãs. Nessa época, César soube que os helvécios, um povo celta aparentado dos gauleses, estava prestes a realizar uma migração em massa para a Gália, atravessando a rica província romana do sul da atual França (chamada até hoje de Provença) e pondo em risco, alegou ele em seus escritos, os aliados gauleses de Roma.

Mas é claro que as motivações de César e de Roma eram bem mais complexas: “O livro Da Guerra da Gália não é uma descrição isenta, mas uma obra de propaganda comum no processo de expansão romana. Ele apresenta a guerra como justa, como ação defensiva. Pura retórica de guerra”, afirma Norberto Luiz Guarinello, professor de história da Universidade de São Paulo (USP).

Além disso, a versão dos gauleses como sendo um bando de chefetes tribais, eternizada por Asterix (o célebre personagem das histórias em quadrinhos), simplesmente não corresponde à realidade da época. A influência greco-romana era sentida havia séculos na Gália e as tribos celtas tinham, por exemplo, abandonado em grande parte a monarquia em favor de magistrados eleitos anualmente, à maneira de qualquer cidade-estado que se prezasse no Mediterrâneo. Muitos gauleses, como a tribo dos Aedui, viam vantagens no domínio romano, cedendo aos invasores homens e suprimentos. “Os romanos aliavam-se às elites locais, numa estratégia de incorporação, primeiro dessas elites e, mais tarde, da população em geral”, diz Pedro Paulo.

A campanha da Gália, que se estendeu até 50 a.C., marcou o ápice dos triunfos militares de César, que levou o estandarte das legiões romanas para os confins do mundo conhecido pelos seus compatriotas como a Germânia, além do rio Reno e da Grã-Bretanha. Segundo Plutarco, acima de tudo, ele se mostrou um mestre em inspirar a devoção em seus soldados e encorajá-los a seguir em frente mesmo diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. Seus discursos viravam lendas e ele não fugia dos campos de batalha, sendo um magnífico guerreiro quando a cavalo. Em menos de dez anos, a Gália caiu sob domínio romano. Não houve aldeia que permanecesse irredutível.

Nesse meio tempo, entretanto, o triunvirato tinha virado fumaça. Crasso morreu numa malfadada tentativa de conquistar os partos, donos de um império na Mesopotâmia e na Pérsia. Pompeu, antes genro de César, cortou boa parte dos laços que tinha com o sogro quando Júlia (a filha de César) morreu ao dar à luz. O bebê viveu apenas alguns dias. O Senado, a principal força política de Roma, passou a temer a influência ascendente de César e concedeu a Pompeu autoridade sobre os exércitos da República. Os políticos de Roma exigiram que César renunciasse a suas legiões se quisesse voltar à cidade. E isso ele jamais faria.
De volta da Gália, ao se aproximar do rio Rubicão, tradicional fronteira com a Itália, César teria pronunciado a frase famosa “Alea jacta est”, ou “a sorte está lançada”. Ao atravessar o curso de água com seu exército, declarava suas intenções. Os partidários de Pompeu, ligados aos Optimates, deixaram Roma e organizaram a resistência a César em diversos pontos nas províncias. A guerra civil, repetindo o que ocorrera nos tempos de Mário e Sila, havia começado.

A vitória de César, porém, não tardou. As forças de Pompeu foram derrotadas na Itália, na Espanha e nos Bálcãs. A batalha decisiva entre os dois rivais se deu em Farsália, na Tessália (norte da Grécia), e a derrota de Pompeu foi quase completa. O perdedor escapou para o Egito, mas foi perseguido por César, que provavelmente o teria poupado, mas os ministros de Ptolomeu, o rei-menino egípcio, assassinaram-no na tentativa de agradar ao general vitorioso. Os partidários de Pompeu ofereceram alguma resistência, mas foi só questão de tempo até César pacificar todo o império em 46 a.C.

O domínio de César sobre Roma tornou-se então indiscutível. Assumindo o título de ditador perpétuo (uma alteração do velho cargo romano de ditador, que dava poderes quase ilimitados a um indivíduo durante emergências), ele passou a mandar e desmandar na escolha das magistraturas da República. Contudo, seu governo foi extremamente conciliatório se comparado aos expurgos e perseguições promovidos por Sila. Ele fez questão de tentar atrair para sua esfera de influência muitos dos antigos aliados de Pompeu, perdoando-os. “Diferenciar-se de Sila era, a partir dos anos 60, explorar um perfil político próprio em Roma e favorecer uma visão suprafacciosa do político. César ficou famoso por sua clemência”, afirma Norberto, da USP. “A política de César foi sempre a da cooptação”, diz Pedro Paulo, da Unicamp.
Ninguém sabe dizer qual seria o próximo passo do ditador. Os Optimates acusavam-no de querer tornar-se rei, cargo odiado pelos romanos desde que haviam acabado com a monarquia, no século 6 a.C., mas outros relatos se referem ao fato de César ter recusado a coroa real oferecida a ele por seus partidários durante cerimônias públicas. “Mas a maioria dos historiadores concorda que César era uma figura mais autocrática”, afirma Pedro Paulo. Depois de tudo, é difícil que ele concordasse em se submeter ao Senado.
Seja como for, qualquer plano que pudesse ter existido foi por água abaixo quando conspiradores da facção aristocrática do Senado cercaram César nos fatídicos idos (dia 15) de março de 44 a.C. Uma porção de punhaladas tirou a vida do ditador, que tentou se defender usando o estilo (uma espécie de pena de metal usada para escrever).

Na morte, mais uma polêmica. O fato de Brutus, que participou do assassinato, ser tradicionalmente identificado como seu filho adotivo provavelmente é falso. “Um erro de tradução”, diz Pedro Paulo Funari. “O relato que restou da execução originalmente estava em grego e nele César usa a palavra têknon, que pode ser tanto ‘criança’ quanto ‘filho’, para se referir a Brutus. Depois a palavra foi traduzido como filius para o latim. Mas, aparentemente, na época téknon tinha um significado pejorativo”, afirma. Portanto, em vez de “Até tu, Brutus, meu filho!”, o que César provavelmente disse ao morrer foi “Você também, Brutus, seu moleque!”

O crime dos Optimates não salvou a República. De um novo triunvirato e de uma nova guerra civil emergiu vitorioso Caio Octaviano, ou Augusto, o sobrinho-neto de César que se tornaria o primeiro imperador romano.

Homens e mulheres

César casou quatro vezes e teve muitas amantes
A vida sexual dos poderosos é vasculhada desde que o mundo é mundo, e a de César foi das mais movimentadas. Em geral, a fama que se atribui ao conquistador da Gália também é a de um conquistador das mulheres. Seus soldados o chamavam de “o calvo adúltero” (antes de completar 50 anos, César perdera todo o cabelo). Ele se casou quatro vezes, com Cosútia (divorciou-se), Cornélia (ela morreu), Pompéia (divorciou-se) e Calpúrnia, que sobreviveu a César. Com Pompéia, viveu uma situação particular. Um jovem apaixonado por ela, Clódio, invadiu a casa de César enquanto era celebrada uma festa em honra de Bona Dea, uma deusa cujos rituais não podiam ser vistos por homens. Clódio disfarçou-se de mulher, mas foi flagrado, o que gerou um escândalo em Roma. César divorciou-se de Pompéia, mas não puniu Clódio. Diante do juiz, que quis saber, então, por que estava se separando, ele teria dito: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. O mais tórrido e controverso affair do general parece ter sido mesmo o que teve com Cleópatra, que deixou de lado seu marido Ptolomeu para se entregar a César. Dizem que a rainha não era exatamente bonita, mas que seu charme, sua inteligência e cultura cativaram César de tal modo que ele a mandou trazer para Roma, alojando-a em sua própria casa. Da união dos dois teria nascido um filho, que ganhou o nome grego de Cesárion (a dinastia ptolomaica de Cleópatra era de origem macedônio-helênica). Pesam sobre César, ainda, rumores quanto a seus relacionamentos com outros homens. Em um debate no Senado, em que César parecia empenhado em defender os interesses do amigo Nicomedes (soberano que conhecera na Bitínia), alguém insinuou que “todos sabem o que tu deste a ele”. Os boatos eram tamanhos que as legiões de César, nas celebrações de suas vitórias em Roma, costumavam chamá-lo de “rainha da Bitínia”. Não que isso contribuísse para diminuí-lo aos olhos do povo, embora os romanos fossem menos tolerantes em relação ao homossexualismo que os gregos. “O importante é que o homem tivesse uma postura masculina, independentemente de ter relações com homens ou com mulheres”, diz Pedro Paulo Funari.

Grande guerreiro
César foi um opositor que não poupou violência contra seus inimigos, bárbaros ou romanos
Gália
César teve de enfrentar a complexa política de alianças que unia as tribos gaulesas a Roma e opunha outras à superpotência. Os gauleses tinham uma cavalaria soberba e eram guerreiros corajosos, mas pouco disciplinados, de acordo com os relatos do general. O pior dos combates, e o mais glorioso para César, ocorreu em Alésia. Ali, de acordo com Plutarco, César teve de fazer cerco a 170 mil gauleses numa fortaleza, enquanto 300 mil o cercaram do lado de fora. O general resolveu o impasse construindo uma dupla de muralhas, uma protegendo-o contra os de dentro da fortaleza, outra contra os de fora, e saiu vitorioso.
Bretanha
A imensa ilha, habitada por várias tribos celtas, algumas das quais aparentadas dos gauleses, jamais havia visto a chegada de um exército das grandes potências do Mediterrâneo antes do desembarque de César. Embora tenha perdido grande quantidade de homens por causa de naufrágios e tempestades, o general puniu os bretões pela ajuda prestada aos gauleses e venceu chefes tribais das atuais regiões inglesas de Kent e Essex, recebendo deles reconhecimento formal de submissão. O verdadeiro domínio romano ali,no entanto, só seria estabelecido mais tarde.
Farsália
A batalha decisiva contra Pompeu e as forças dos Optimates ocorreu nessa região da Tessália famosa por suas planícies e adequada para o combate a cavalo. Foi exatamente com essa arma que Pompeu, em maior número e com uma cavalaria muito bem armada, estava contando. César decidiu atacar antes do inimigo e, de acordo com Plutarco, ganhou a dianteira ao instruir seus soldados a ferir com lanças o rosto dos cavaleiros, jovens aristocratas que não queriam ficar desfigurados e, por isso, debandaram. A derrota de Pompeu, que fugiu para o Egito, foi completa: 6 mil mortos e 24 mil capturados.
Egito
O orgulhoso comportamento de César depois de sua chegada a Alexandria no encalço de Pompeu logo fez com que a guarda real e o populacho da cidade pedissem a cabeça do general ao jovem rei Ptolomeu. Cercado em seu palácio com uma pequena força de 4 mil homens, César teve de esperar a chegada de nova legião para tentar escapar. Os combates, centrados no mar e no porto de Alexandria, foram encarniçados, e em determinado momento César foi forçado a nadar para salvar a própria pele. Reforços vindos da Síria, no entanto, permitiram que o general derrotasse Ptolomeu, morto numa batalha, e entregasse o poder a Cleópatra, que se tornara sua amante.

Bom de boca
César e as frases que entraram para a história
Quase tudo aquilo que se conhece sobre os detalhes mais pessoais e sobre os discursos feitos por César vem dos seus próprios escritos, nos quais relata a guerra contra os gauleses e as batalhas contra os exércitos de Pompeu. Outra fonte, talvez a principal, são os biógrafos clássicos, em especial Suetônio, na sua A Vida dos Doze Césares, e Plutarco, em Vidas Paralelas, um trabalho monumental que relata a trajetória comparada de Alexandre, o Grande, e de Júlio César. Desnecessário dizer que esses textos são tanto história como literatura, e que embelezavam e expandiam significativamente os supostos feitos e discursos do personagem famoso ao longo de sua carreira. Plutarco pinta-o como um predestinado pelos deuses, enquanto Suetônio apresenta uma visão mais crítica. É significativo, no entanto, notar que ambos os trabalhos retratam César como um escritor, frasista e orador extremamente talentoso. O seu “Veni, vidi, vici”, ou “Vim, vi e venci”, tornou-se sinônimo de competência e controle rápido de situações. Diante dos corpos dos Optimates em Farsália, conta-se que ele teria dito “Hoc voluerunt”, “Assim o quiseram” – como quem diz que os aristocratas poderiam ter evitado o banho de sangue se fossem menos intransigentes.

A herança de Júlio César
“O kaiser nasceu em julho durante uma cesariana”
Não entendeu nada? Talvez ajude saber que a palavra que designa o soberano alemão, o nome do mês “sete” e a operação que substitui o parto normal têm o mesmo patrono. Ele próprio, o “JC” de Roma. Apesar de ter governado seu povo por pouquíssimo tempo, o impacto de César sobre a história e a cultura ocidentais foi imenso e talvez inédito. A começar pelo calendário juliano, organizado sob sua supervisão, que estabeleceu as bases para a contagem do tempo que ainda usamos hoje e só foi alterado significativamente no século 16 da era cristã. O mês de julho empresta seu nome de César, divinizado por Augusto depois de sua morte. O governante ficou famoso por embelezar Roma e ser um patrono mão-aberta das artes na capital do mundo antigo, plantando as bases para as realizações nessa área que seu sucessor iria realizar poucos anos mais tarde.
A coroa real nunca chegou a adornar sua cabeça, mas seu nome virou sinônimo (literalmente) de imperador em alemão (kaiser) ou russo (czar ou tzar). Por último, várias anedotas costumam associar a prática da cesariana ao fato de que César só teria nascido graças a uma operação pioneira realizada em sua mãe.

Saiba mais

Livros:

Júlio César, O Ditador Democrático, Luciano Canfora, Estação Liberdade, 2002 – A primeira obra, do historiador italiano Canfora, é uma excelente compilação de tudo aquilo que a historiografia contemporânea conseguiu nas suas interpretações dos atos, da vida e dos livros escritos por Júlio César. Principalmente no que se refere ao legado de sua influência sobre a cultura ocidental.

A Vida dos Doze Césares, Suetônio, Prestígio, 1998 – O leitor vai se divirtir com as saborosas e às vezes irônicas histórias do romano Suetônio

Alexandre e César, Plutarco, Prestígio, 2001 – De longe, ao lado de Suetônio, essa é a melhor das biógrafias de Júlio César. E a que mais contribuiu para a sobrevivência das tradições orais sobre a vida dos grandes personagens da Antiguidade clássica

A Vida Cotidiana na Roma Antiga, Annablume, 2004 – Esta nova obra trata de um tema muitas vezes esquecido quando se fala em Império Romano: a vida das pessoas comuns. Há ótimos relatos sobre o lazer e as manifestações políticas das mulheres.

http://historia.abril.com.br/gente/julio-cesar-conquistador-improvavel-433798.shtml

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Cleópatra, a alegria dos homens

Com seus encantos, a rainha seduziu os poderosos de Roma, mas não evitou o último suspiro dos faraós

Cleópatra Thea Filopator nasceu em Alexandria entre dezembro de 70 a.C. e janeiro de 69 a.C. Era filha de Ptolomeu XII e de mãe desconhecida. Seu nome é grego e significa “a deusa Cleópatra, amada de seu pai”. A dinastia ptolomaica assumiu o poder em 305 a.C. depois que Alexandre, o Grande, incorporou o Egito à Grécia – o primeiro Ptolomeu era general de Alexandre. Apesar da origem grega da família, Cleópatra foi a única do clã a dominar a língua egípcia. Acredita-se que era uma mulher muito culta – além do grego e do egípcio, falava aramaico e latim, entre outras línguas.
Sabe-se pouco sobre sua infância e adolescência. A imagem de Cleópatra que perdura até hoje é a de uma mulher bonita e sexualmente ousada. Fontes antigas enfatizam sua inteligência e diplomacia – dizem até que ela escreveu livros sobre pesos e medidas, magia e cosméticos. Há quem diga que ela foi uma das inventoras da maquiagem. Estudos recentes afirmam, no entanto, que de bonita ela só tinha a pele – banhada freqüentemente com leite de cabra e perfumada com óleos exóticos.
Ptolomeu XII, seu pai, não era nada popular em Alexandria. Ficou no poder graças ao apoio de Roma, pelo qual teve que pagar grandes quantias de dinheiro, arrancando o couro do povo com pesados impostos. Recebeu o apelido de “Auleta”, que significa “tocador de flauta”, porque preferia levar a vida na flauta, tocando e ouvindo música, a pegar no batente. Em 58 a.C., com o clima mais pesado que nunca para ele, refugiou-se em Roma. Sua filha Berenice IV tornou-se a nova soberana com apoio da população alexandrina. Em 55 a.C., Auleta voltou e mandou matar a própria filha. Nomeou seus filhos Cleópatra e Ptolomeu XIII para o trono do Egito e morreu em 51 a.C. Seguindo o costume da dinastia, Cleópatra casou-se com o irmão, que tinha cerca de 15 anos de idade e passou a ser cercado de puxa-sacos, oportunistas e conspiradores de plantão.
Ambiciosa e malandra, Cleópatra sabia que Roma era a nova potência mundial. Se quisesse ficar no poder, teria que ter boas relações com ela. É aí que entra…
JÚLIO CÉSAR
Filho de família tradicional e com uma certa grana, Caio Júlio César (100-44 a.C.) era um advogado que virou político e que depois decidiu seguir a carreira militar. Em pouco tempo no posto de general, fez importantes conquistas e ampliou os domínios do Império Romano. Mas meteu-se numa guerra civil contra a facção conservadora do Senado romano, comandada pelo respeitado general Pompeu. Eles temiam que César estivesse tramando um golpe para virar ditador.
Em uma batalha travada no dia 9 de agosto de 48 a.C., César conseguiu uma vitória surpreendente contra o favorito Pompeu, que fugiu para o Egito. César regressou a Roma e foi nomeado ditador romano (que não é o mesmo que ser ditador no sentido habitual; era um cargo político cheio de regras). Para ajudá-lo nas campanhas militares, nomeou Marco Antônio.
César decidiu ir ao Egito atrás de Pompeu para oferecer seu perdão. Soube então que ele tinha sido decapitado por ordem de Ptolomeu XIII, que pensou estar fazendo um favor a Roma. Enganou-se. César ficou furioso com a barbárie. Usou seu poder para substituir o rapaz pela irmã, Cleópatra. Foi a chance que ela queria para se aproximar do novo “rei do pedaço”
Conta o filósofo e escritor Plutarco (que viveu no século 1) que Cleópatra mandou um grande tapete a César – fazia frio no Egito naqueles dias. Quando desenrolou o presente, o visitante encontrou nada menos que a própria Cleópatra dentro dele. Na maior cara-de-pau, ela disse que tinha ficado encantada com as histórias amorosas do já cinqüentão César (que era chamado de “o calvo adúltero” por seus soldados). E disse que queria conhecê-lo de perto. Conheceu. Aos 21 anos de idade, tornou-se sua amante e consolidou seu poder.
Enciumados, o mano Ptolomeu XIII e uma irmã, chamada Arsínoe, tentaram virar o jogo, com o apoio do Exército egípcio. César botou todo mundo para correr. Arsínoe foi presa e Ptolomeu XIII afogou-se no rio Nilo quando tentava escapar.
Em junho de 47 a.C., Cleópatra deu à luz Ptolomeu XV César – ou Cesarion (“pequeno César”). César reconheceu a paternidade do menino, mas voltou a Roma deixando no Egito três legiões romanas e uma orientação para a namorada: ela devia se casar com Ptolomeu XIV, também seu irmão.
Tudo parecia tranqüilo. Com todo o mundo romano sob seu domínio, César iniciou uma série de mudanças administrativas. Mudou até o calendário – o mês quintilis foi rebatizado de julius (julho). Até que, no dia 15 de março de 44 a.C., numa reunião do Senado, César foi apunhalado até a morte por um grupo de senadores, entre eles seu protegido Marcus Junius Brutus.
Cleópatra não se apertou. Voltou suas armas de conquista na direção de…
MARCO ANTÔNIO
Em 42 a.C., Marco Antônio fazia parte do triunvirato que governava Roma desde a morte de César, dois anos antes. Ele era o comandante da parte oriental do Império e intimou a rainha do Egito para um encontro político. Cleópatra, conhecendo a fama de mulherengo e beberrão do sujeito, chegou arrasando, com todo o luxo a que tinha direito. Ofereceu até um banquete regado a vinho. Desse encontro político (e de outros que se seguiram no inverno seguinte) nasceram os gêmeos Cleópatra Selene e Alexandre Hélios.
Cada um foi para o seu lado, até que, quatro anos depois, reataram o romance. Cleópatra teve então outro filho, Ptolomeu Filadelfo.
No fim de 34 a.C., Marco promoveu um verdadeiro trem da alegria com as chamadas “Doações de Alexandria”. Distribuiu cargos e terras (países inteiros) a Cleópatra e seus filhos – o equivalente a um terço do território romano. Divorciou-se da esposa Otávia e declarou que o filho de Cleópatra com César era o herdeiro legítimo do poder em Roma. Foi um escândalo.
Ultrajado, o general Otaviano – irmão de Otávia, sobrinho de Júlio César e comandante da Roma Ocidental – discursou no Senado, dizendo que a doação de terras conquistadas pelos romanos a uma egípcia era uma “afronta imperdoável”. Os senadores destituíram Marco de suas atribuições e acabaram com a imagem do Egito e de Cleópatra – chamaram-na de feiticeira para baixo. A guerra civil era inevitável. E ela veio com tudo.
O conflito – conhecido como Batalha de Ácio – arrastou-se por meses. Importantes aliados de Marco Antônio mudaram de lado em protesto pelos palpites de Cleópatra. Um dia, sem mais nem menos, ela içou velas e partiu com 60 navios rumo ao Egito. Seu apaixonado marido, sem entender nada, pegou um barco menor e foi atrás dela, deixando os soldados na mão. Até hoje não se sabe ao certo por que ela fez isso. Resultado: desastre. Marco perdeu 5 mil soldados e 300 navios. E caiu numa depressão que teria conseqüências trágicas.
Cleópatra tentou levar sua fortuna para a Índia e lá fundar um novo reino, mas foi atacada no meio do caminho por tribos inimigas de sua dinastia e teve que voltar para trás. Em Alexandria, ficou sabendo que Otaviano estava a caminho para capturá-la. Despachou o filho Cesarion para a cidade de Coptos. A cavalaria de seu marido estava resistindo bravamente aos ataques de Otaviano. Mas Marco, acreditando nos boatos que diziam que sua musa estava morta, suicidou-se com um golpe de espada. A notícia chegou a Cleópatra por volta do dia 30 de agosto de 30 a.C. Para não se submeter à humilhação de ser exibida acorrentada pelas ruas de Roma, deixou-se picar por uma serpente – que alguém tinha trazido para ela num cesto de figos. Era o fim de uma história de amor – e de 3 mil anos de reinado dos faraós no Egito. Aquele que tinha sido o maior império sobre a Terra era agora apenas mais uma província romana.

O que é que a egípcia tem?

Romanos se perguntavam: “o que Júlio César e Marco Antônio viram nessa nariguda?”. Em 1963, Hollywood levantou a bola de Cleópatra, mas descobertas recentes mostram uma bruxa …
A beleza de Cleópatra já era motivo de controvérsia mesmo quando ela ainda estava viva. Os romanos fofocavam sobre os misteriosos encantos da mulher que conquistara, na seqüência, Júlio César e Marco Antônio, os mais poderosos generais da época. Seria o poder mágico de seus perfumes inebriantes? A julgar pelas imagens que chegaram até nossos dias, Marco Antônio era o cão chupando manga, mas Júlio César tinha seu charme – e fama de garanhão. Cleópatra era careca, como quase todo mundo, para evitar piolhos. Durante séculos falou-se sobre o tamanho de seu nariz. O falatório só diminuiu a partir dos anos 60, depois que a atriz Elizabeth Taylor, no auge da beleza, estrelou um filme sobre a rainha do Egito – uma das produções mais caras da história de Hollywood. Ela consolidou a imagem que o mundo moderno tem de Cleópatra – uma deusa com nariz delicado, cintura fina, pele clara e olhos azuis. Mas o sossego da verdadeira Cléo durou pouco, e a polêmica sobre sua beleza acaba de ser reacesa. Uma exposição no Museu Britânico, em Londres, mostrou ao mundo dez estatuetas, a maioria retirada do Porto de Alexandria. Junto com uma moeda de prata de 2 mil anos, as peças retratam a rainha como uma mulher baixinha, roliça, queixuda, de lábios finos e dentes feios. E confirmam o famoso narigão.
Entrevista Com Gente Morta

A volta da rainha da sedução

Cleópatra representou a inteligência, o charme, a força e aginga da mulher egípcia
Texto Soraia Gama
A última rainha do Egito – e talvez a mais famosa entre todas as rainhas de todos os tempos – interrompe dois milênios de silêncio e fala da dor e da delícia de ser o mais antigo símbolo sexual da humanidade. Dá dicas de beleza e sedução e conta que, como toda celebridade, foi alvo de fofocas – a pior delas diz que ela transou com um exército inteiro. Recentemente, teve sua legendária beleza questionada por estudiosos. Veja a seguir o que ela tem a dizer.
HISTÓRIA – Dizem que sua beleza é um mito. Como seduziu homens tão poderosos?
CLEÓPATRA – Não posso forçar ninguém a me achar linda, mas negar que sou muito interessante ninguém pode. Interessante e inteligente. Por mais bela que seja, a mulher não segura um homem por muito tempo sem cultura. Sempre opinei nas ações de César. Ficaria entediada se tivesse a vida das esposas de Roma.
Mas você não era esposa dele. Ser amante não a incomodava?
No começo, eu nem ligava. Tratava-se de interesse político. Eu não poderia deixar o Egito nas mãos do meu irmão mais novo e planejei seduzir César para conseguir o trono. Depois me envolvi, tive medo, insegurança. Eu era muito jovem.
Como aprendeu tão bem a arte da sedução?
A pessoa mais próxima a mim era meu conselheiro. Mas não poderia perguntar a um eunuco como seduzir um homem como o grande general. Então ordenei que me trouxessem uma hetaíra, uma cortesã. Ela me deu boas demonstrações, que pus em prática no primeiro momento com César. No começo, me senti pequena demais diante daquele homem. Com o tempo, fui ficando mais segura. Consegui me soltar, tomar a iniciativa e dominar a situação na cama. Os homens adoram isso.
Você era muito vaidosa?
Como toda mulher é ou deveria ser.
Algum segredo?
Os óleos deixam a pele macia e muito atraente. Com o sol forte do Egito, era preciso um cuidado especial. Eu recebia massagens com diversos óleos diariamente e tomava banhos de leite de cabra.
Você sabe que a maquiagem se originou do kohl negro, que você usava para pintar os olhos?
Sim. Às vezes, eu usava o pó de malaquita, um kohl verde. Essa pintura deixava os olhos lindos e os protegia do excesso de claridade. Hoje, vocês têm facilidades que a gente não tinha naquela época, além da enorme variedade de produtos.
Você tinha alguém que cuidava do seu guarda-roupa?
Quando governei, não existia o conceito de moda. Era tudo muito parecido, não era possível ter exclusividade. O que diferenciava as mulheres nobres eram os tecidos, de muito mais qualidade.
Eram importados?
Imagina! O linho e o algodão são típicos de locais quentes. O Egito produz os melhores, até hoje.
E para os cabelos, havia algum segredo?
Que cabelo? O piolho foi uma praga do Deus hebreu e tivemos de depilar todo o corpo para não propagar a desgraça. Chegamos a usar cera de abelha no alto da cabeça para espantar as moscas, outra praga divina. Eu era careca.
Mas sua franjinha foi eternizada por Elizabeth Taylor no filme Cleópatra…
Mas era filme. Ouvi dizer que essa atriz só usou o que quis durante as filmagens. Foi tratada como se fosse mesmo uma rainha.
Os comentários de que você teve relações sexuais com um exército inteiro de Roma duram até hoje. O que você tem a dizer a respeito?
[Séria] Demorou para você tocar nesse assunto. Só tenho a dizer que fui casada de verdade com dois homens: Júlio César e Marco Antônio. Amei e estive ao lado dos dois até o último suspiro. E não falo mais nada sobre minha vida pessoal.
Julio César era muito mais velho que você. Isso não atrapalhou o relacionamento?
Júlio foi meu primeiro homem e pai de Cesarion. Isso é mais importante em uma relação do que a diferença de idade. Marco Antônio também era uns dez anos mais velho.
Então você sempre gostou de homens mais velhos?
Homens interessantes, com garra e determinação. A idade não importa.
Talvez o assunto não lhe agrade, mas com essa pergunta encerramos a entrevista. Você sentiu medo ao ver a cobra saindo do cesto de frutos na noite em que foi picada e morta?
[Pensativa] Não. Sei que o poder tem seu preço. Um preço alto.
http://historia.abril.com.br/politica/cleopatra-alegria-homens-435414.shtml

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A verdadeira história do Imperador Calígula

Esqueça a imagem do tirano pervertido e insano. O imperador era, sim, um hábil populista. Acontece que a sua história foi escrita pelos inimigos

Vinícius Cherobino | 25/07/2012 18h21
Psicopata, narcisista, assassino, depravado. Segundo Suetônio escreveu no século 2 em A Vida dos Doze Césares, era simplesmente um monstro. As comemorações pela indicação de Calígula como autoridade suprema teriam levado à degola 60 mil prisioneiros em cerca de três meses. Mas aquilo era só o começo – Roma nunca havia presenciado tamanha perdição. O imperador tratava abertamente a irmã Drusilla como esposa. Servia-se também das outras irmãs, Livilla e Agripina, e as prostituía. Costumava promover banquetes e orgias que culminavam com a tortura e execução de prisioneiros. Obrigava, inclusive, as esposas dos auxiliares mais próximos a participar das festas. “Quase não houve mulher, por menos ilustre que fosse, que ele não tivesse desrespeitado”, diz Suetônio. Para o historiador romano Cássio Dio, “não havia homem mais libidinoso”.
Perdulário, suas extravagâncias incluíam pérolas banhadas em vinagre como aperitivo. Gastava tanto dinheiro que a dada hora se viu obrigado a confiscar propriedades e a criar impostos sobre tudo, até a prostituição.
Atribuía a si mesmo qualidades divinas. Encomendou da Grécia uma estátua de Júpiter Olímpico, mandou cortar a cabeça e a substituiu por uma inspirada na sua própria. Num templo dedicado a ele, ostentava uma estátua de ouro em tamanho natural, vestida todos os dias com uma cópia de seus trajes.
Líder incompetente, humilhava com frequência seus pares, na indiscrição dos banquetes ou na política. Nomeou o cavalo Incitatus magistrado superior de Roma. O animal era mantido num luxuoso estábulo dentro do palácio imperial. E Calígula exigia que os senadores despachassem com o colega equino.
Para baratear os custos de manutenção das prisões abarrotadas, ordenou que detentos fossem trucidados para servir de ração aos demais. A todos esses “espetáculos”, o imperador assistia com deleite e queria companhia – obrigava os familiares de condenados a testemunhar a tortura e a execução. Uma das modalidades preferidas era jogá-los às feras nas arenas de plateia lotada. A cada dez dias, elaborava uma lista de quem deveria ser morto.
Um crápula completo, certo? Errado. Calígula não é tão diferente dos demais imperadores romanos. E, até pelo pouco tempo que permaneceu no poder, quatro anos, conseguiu feitos importantes (leia à pág. 49). Mas a fama de maníaco atravessou os séculos intacta – que o diga o filme Calígula, de 1979 (leia à pág. 50). Mas por que sua imagem foi tão deturpada?

Biografia de tabloide

Um olhar atento sobre os autores das histórias originais a respeito do imperador ajuda a esclarecer as distorções. Como autoridade política, Calígula trabalhou sobretudo para concentrar poder, confrontando o Senado e a aristocracia romana. Os historiadores da época dependiam ou eram representantes do Senado. “É como tentar entender a história do século 21 e tudo o que sobrou foi o tabloide National Enquirer (uma espécie de Notícias Populares americano)”, diz Anthony Barrett, professor de história romana na Universidade da Columbia Britânica. “É uma fonte importante, mas não pode ser tomada como totalmente verdadeira. Os fatos demandam análise crítica e é preciso tentar corroborá-los com evidências arqueológicas.”
O filósofo Sêneca, o Jovem, fez um dos poucos relatos contemporâneos ao governo. Ele era rival da dinastia Júlio-Claudiana, à qual pertencia o imperador. Acabou exilado em 41. Suetônio, conhecido por abordar seus personagens sob o viés mais pitoresco possível, escreveu sete décadas após a morte do governante. Já Cássio Dio o fez quase 200 anos depois. Dos Anais de Tácito sobre Caligula, uma das narrativas mais confiáveis da Roma antiga, apenas algumas referências são encontradas hoje. “São textos literários, com pretensões retóricas, e não científicas”, diz Paulo Sergio de Vasconcellos, professor de letras clássicas da Unicamp.
A revisão desses textos, confrontados com investigações arqueológicas e o estudo de moedas do período, está longe de reproduzir um maluco desvairado. Para entender quem era o jovem de 24 anos que assumiu o posto mais importante da Terra, é preciso conhecer sua trajetória.
Aos 7 anos, Roma comovida recebeu Calígula, que acompanhava o cortejo fúnebre do pai, o idolatrado herói militar Germânico. No ar, pairava a suspeita de que ele fora envenenado por ordem do imperador Tibério. A família de Germânico, que era sobrinho e filho adotivo do soberano, representava uma sombra perigosa ao seu poder. A mãe de Calígula, Agripina Maior, que trabalhava nos bastidores para garantir a ascensão do primogênito Nero Germânico (o Nero acusado de tocar fogo em Roma era sobrinho deste – e de Calígula) foi condenada por traição e exilada com o filho. Ambos morreram no exílio. O filho do meio, Drusus Germânico, preso, não sobreviveu aos maus-tratos na cadeia. As mortes na elite romana eram comuns à época. Não havia uma definição clara para a sucessão no poder, o que alimentava golpes, assassinatos e o terror de Estado.
Em 37, a capital aguarda, ansiosa, a confirmação do soberano escolhido para substituir Tibério. O imperador a quem Jesus Cristo chamava de César morrera aos 78 anos, recluso, na sua fortaleza na ilha de Capri. O autoexílio a 300 km de Roma só agravou o fim melancólico de um governo focado nas conquistas militares, severo nos gastos e contrário aos jogos nas arenas. A guarda pretoriana (um misto de segurança particular do imperador, agência de inteligência e polícia secreta) era a face mais temida do Estado, que executou por suspeita de traição inúmeros cidadãos nos anos anteriores. Era com esperança e certo alívio que a população receberia o novo regente.
Tibério tinha sido adotado por César Augusto, seu antecessor. Já Calígula vinha da linhagem direta dos Césares – sua mãe era neta do já legendário Otaviano (ou César Augusto, quando tornou-se o primeiro imperador, sobrinho-neto do ainda mais legendário Júlio César). Ao lado do pai general, cresceu entre as tropas, vestido como um soldado, o que lhe rendeu o apelido carinhoso de pequena bota – “calígula”.
Caio Júlio César Germânico, o… Botinha, “experimentou em primeira mão a briga pelo poder. Tinha consciência da sua popularidade, mas foi a público para defender a sua família. Como resultado, conseguiu salvar a própria vida”, afirma Sam Wilkinson em Calígula (sem edição em português). Por volta dos 18 anos, foi convocado com as irmãs para morar na fortaleza de Capri com Tibério. Lá, teve, de acordo com as fontes históricas, uma vida de prisioneiro. Foram seis anos na presença do algoz de sua família. O que aconteceu na fortaleza só pode ser inferido – são citados casos de devassidão e crueldade tão graves quanto os que seriam atribuídos ao futuro imperador. O que se sabe ao certo é que Calígula não teve treinamento formal em administração e economia, militar ou sobre como lidar com os senadores. Mas soube agradar o soberano. Antes de morrer, em 37, Tibério indicou Gemelo, seu jovem neto, e Calígula à sucessão. Ele tinha 25 anos e mostrou-se um político sagaz. Em conluio com a guarda pretoriana chefiada por Macro, conseguiu assumir o poder sozinho: anulou o testamento de Tibério sob o argumento de que ele estava senil.
Seguindo o que no século 20 seria conhecido como um ditado mafioso – “mantenha os seus amigos perto e os inimigos mais ainda” -, nomeou Gemelo como seu herdeiro e lhe deu o título de princeps iuventutis (o primeiro entre os jovens). Em uma só tacada, calou as vozes dissonantes e resolveu o problema com um cargo politicamente nulo. Diferentemente de seus antecessores, logo obteve o poder absoluto. Seu governo começou de forma muito promissora, mas, após sete meses no poder, o terceiro imperador de Roma (e o mais infame) sofreu uma doença séria, que culminou com as narrativas de loucura e perdição. Os sintomas incluem convulsões, fadiga e alterações de humor. Fala-se em epilepsia, sífilis, intoxicação por chumbo (oriundo do tratamento das peles onde era guardado o vinho para obter o paladar preferido do imperador). Para historiadores modernos, há varias confusões de datas e informações contraditórias sobre Calígula. As evidências arqueológicas oferecem outras perspectivas.

Mentiras sinceras

Está claro que o imperador se relacionava com a sua família de maneira diferente que os outros fizeram. As irmãs eram presença constante ao seu lado nos eventos públicos e foram imortalizadas em moedas. Drusilla (a irmã amada, ponto central da peça Calígula, de Albert Camus), foi endeusada depois de morta. Todas essas ações eram inéditas para a época. Mas nada disso significa que havia uma orgia em família. “O incesto foi uma criação posterior da historiografia”, diz Fábio Faversani, historiador da Universidade Federal de Ouro Preto. Há ainda uma explicação política. Como não tinha grandes conquistas militares, Calígula precisava se provar merecedor do posto pela linhagem que remontava a Augusto. Ao homenagear os familiares, justificava a própria posição. As sutilezas da política também estariam por trás da nomeação de Incitatus. “Houve uma ameaça. Quando Calígula foi perguntado sobre quem seria o cônsul no próximo ano, ele respondeu que preferia o seu cavalo aos candidatos disponíveis. É uma resposta de alguém sarcástico (não louco), tirada do contexto”, afirma Barrett.
Ele foi acusado de levar Roma à falência. Mas realizou grandes construções. Concluiu projetos iniciados por Tibério e iniciou outros (leia à pág. 49). O seu feito mais extravagante, que parecia um exagero das fontes clássicas, acabou comprovado na década de 1930, quando foram achados no lago de Nemi os restos de dois barcos gigantescos. O maior, com quilha de 70 m, era um palácio flutuante. Aí sim um sinal de megalomania.
Na área militar, ele não teve nada de brilhante, mas sua atuação foi positiva. Iniciou a conquista da Britânia, atual Inglaterra. Antes, indicam as evidências arqueológicas, criou uma estrutura de fortes e armazéns, preparando-se para a conquista do território, efetivada por seu sucessor, Cláudio.
Mas a característica mais marcante de Calígula está na sua adoração pelo entretenimento. Em contraste com a severidade de Tibério, abraçou as aparições públicas e a realização de festivais, que incluíam combates de gladiadores e com feras selvagens, corridas de cavalos e peças teatrais. Mandou reduzir as armaduras dos lutadores, o que o fez ser ainda mais adorado pela plebe, especialmente nas ocasiões em que distribuía comida e dinheiro (leia à pág. 47).
Essa gastança poderia ter destruído as finanças públicas e iniciado uma espiral inflacionária. E Cláudio teria pago o pato. Mas não, não há registro de problemas financeiros no governo dele. Isso não quer dizer que a economia foi perfeita sob Calígula. Serve, porém, como indício de que ele talvez não fosse o perdulário inconsequente que os historiadores clássicos pintaram.
Cansados dos arroubos e das tendências absolutistas do imperador, senadores e membros da guarda pretoriana conspiraram para matá-lo. Aos 29 anos, Calígula tombou a golpes de adaga – segundo uma versão foram 30, mais do que levou Júlio César. A sua mulher Cêsonia (a quarta que ele desposou) e a filha Júlia Drusilla, de 2 anos, também foram assassinadas. Ao saber que o imperador estava morto, a população de Roma demandou justiça. O seu tio Cláudio, laureado imperador, atuou para acalmar os ânimos da massa e iniciou uma campanha contra a reputação do morto. “Cláudio precisava condenar o assassinato de um imperador, senão estaria em risco, mas precisava justificar a morte de Calígula. Ao difamá-lo, ele afirma que o bom sistema imperial foi pervertido por um tirano”, diz Barrett. E a campanha se seguiu.
Um louco varrido seria capaz de demonstrar sagacidade política (para chegar ao poder… Mantê-lo foram outros quinhentos) e ter o apreço da população? Cabe refletir se ele não foi basicamente um populista, um jovem esperto e intolerante, arrogante e inseguro, marcado pelos jogos de poder que exterminaram sua família. Não é difícil supor que ele tenha reproduzido essa violência contra quem discordava de si. E modos extravagantes, como ele provavelmente tinha, cada imperador romano teve os seus. Definir sua figura por estereótipos, como os fatos demonstram, está longe de apresentar uma noção satisfatória de quem foi Calígula.

Mais sangue na arena


Ruim para o gladiador, bom para o “torcedor”
Calígula mandou remover o escudo e a armadura de braço dos gladiadores. Mas não de todos os gladiadores. A norma valia para um só lutador a cada confronto. A plateia aprovou a carnificina, e a popularidade do imperador bombou. Mas nem tudo era sangue no pão ecirco de Calígula. Ele também financiou artistas e peças de teatro.

Calígula, o filme

Ele inspirou uma pornochanchada cabeça com atores de primeira linha
Calígula virou filme em 1979 com Malcolm McDowell (o mesmo de Laranja Mecânica, de 1977) como o personagem principal, Peter O’Toole como Tibério e Helen Mirren como Cesônia. O longa-metragem foi produzido por Bob Guccione (criador da revista Penthouse) que investiu 17,5 milhões de dólares.
A obra tem roteiro original de Gore Vidal, mas se revelou um filme de apelo pornográfico com atores em ascenção (ou já consolidados, como O’Toole) usando um pano de fundo histórico. Vidal discordou das mudanças radicais na versão final e repudiou o resultado. A polêmica não foi só interna. Em vários países, o longa foi censurado, Brasil incluído.
Pouco antes do lançamento, Guccione temeu prejuízo e acrescentou cenas de sexo explícito e de violência para apimentar a obra. Se não fez jus aos fatos históricos, o produtor não se importou muito. O filme faturou, apenas nos Estados Unidos, 23,4 milhões de dólares (70 milhões em valores atuais) no ano de estreia.

Saiba mais
LIVROS
• Calígula, Sam Wilkinson, Routledge, 2005.
Traz excelente revisão das fontes históricas.
• Caligula: The Corruption of Power, Anthony Barrett, Yale University Press, 1990.
Analisa os relatos sobre ele à luz da arqueologia. Em inglês.
• A Vida dos Doze Césares, Suetônio, Prestígio Editorial, 2002.
Escrito no século 2, é um dos responsáveis pela má fama do imperador.
Aventuras na História

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Ele chegou a ser considerado a encarnação do anticristo, mas novos estudos históricos revelam que a caricatura de artista canastrão e piromaníaco esconde um dos melhores administradores da Antigüidade, cujo pecado foi amar a refinada cultura grega e desprezar o militarismo romano.

por Mônica Falcone, de Roma

Num campeonato imaginário entre os vilões da História, talvez apenas o líder alemão Adolph Hitler supere o imperador romano Nero na categoria Reputação Negativa. Mas nem mesmo Hitler tem no currículo o assassinato da mãe, da primeira mulher, do irmão de criação e o incêndio da sua capital. Já em matéria de genocídios, o imperador Lucius Domitius Ahenobarbus, nascido no ano de 37 da nossa era na cidade de Antium (atual Anzio), sai perdendo. Conseguiu matar, com requintes de crueldade, apenas 300 pessoas calcula-se que 10% da colônia de cristãos de Roma no ano 64. Muito menos que os 6 milhões de judeus imolados em nome da pureza racial ariana durante a Segunda Guerra Mundial.
A proximidade dos eventos não deixa dúvidas sobre quem foi Hitler. No caso de Nero, porém, a releitura dos fatos à luz de pesquisas recentes desencadeou uma verdadeira moda entre os historiadores: reabilitar a imagem do imperador romano. Da figura malvista, sobrou o devasso que escandalizou Roma com seus casamentos heterodoxos. No mais, ele sai incólume na onda de revisão histórica. Em lugar do canastrão da harpa surge agora um amante da cultura grega jamais aceito pelos pragmáticos romanos, e o piromaníaco deu lugar a um administrador eficiente dos melhores na história do Império , que impôs leis moderadoras da crueldade nos espetáculos públicos.
Uma reviravolta impressionante na trajetória de um rapaz que ascendeu ao trono com 17 anos, no dia 13 de outubro de 54, graças às artimanhas de uma mulher que aprendeu precocemente os caminhos da intriga: sua mãe, Agripina, cuja beleza só era obliterada pela sede de poder. Um jovem que, até se tornar o foco da ambição materna, viveu na tranqüilidade do campo, sob os cuidados de sua tia Domícia, onde aprendeu a amar o teatro, o canto e as corridas de quadriga, o esporte popular romano que então fazia as vezes do futebol. Não são poucos os historiadores que atribuem sua queda justamente à persistência dessa paixão, hoje considerada sua característica mais simpática: os romanos não suportavam sua mania de querer ser artista e impor-lhes a refinada cultura grega.
Agripina, no entanto, tinha outros planos para Nero. Filha do general Germânico, um dos homens mais populares da história de Roma, descendente do imperador Augusto e irmã de Calígula, ela sobreviveu sozinha a uma sucessão shakesperiana de mortes em família e após o assassinato do irmão, em 41, desencadeou a estratégia que levou o filho a ser aclamado imperador. Primeiro, Agripina conseguiu o noivado de Nero, aos 12 anos, com Otávia, filha de 8 anos de seu tio e imperador Cláudio. Mais tarde, ela mesma se casou inces-tuosamente com Cláudio e, por último, o xeque-mate nos outros pretendentes ao trono: convenceu o marido a adotar Nero. Era o ano de 49. Cinco anos mais tarde, quando Cláudio começou a favorecer o filho Britânico na sucessão, Agripina não hesitou em servir-lhe um prato de lulas envenenadas. Morto o imperador, Nero foi alçado ao poder.
A primeira notícia que o historiador romano Tácito (c. 56-c. 120) dá do imperador é a de um novo envenenamento: dessa vez, a morte de Júlio Silano, outro canditado à sucessão de Cláudio. Mas Tácito poupou o monarca ao escrever ignaro Nerone oer dolum Agrippinae: por obra de Agripina e sem que Nero soubesse. Como não podia deixar de ser, desde as primeiras linhas de seus Anais, o historiador reafirma a grande influência da mãe sobre o filho, que se prolongou durante os anos ini-ciais de seu governo. Como mulher, Agripina era excluída das reuniões do Senado. O impasse foi superado transferindo as assembléias para o palácio de Nero. Agripina acompanhava-as escondida atrás das cortinas.
Diante de uma supermãe castradora e imperial desse calibre, o único freio às suas interferências durante os primeiros anos de Nero foram os conselheiros Lúcio Anneo Sêneca, filósofo e preceptor do jovem imperador, e Afrânio Burro uma espécie de ministro polivalente, que acumulava as decisões referentes à Justiça e às finanças. Com apoio dos dois, Nero deu os primeiros passos em suas medidas populares e de contenção dos costumes, que acabaram levando os romanos a acreditar numa nova era de ouro. Distribuiu dinheiro para os militares, conteve o preço do trigo e promoveu espetáculos para o povo, em harmonia com o famoso receituário político do pão e do circo.
Em 57, por exemplo, Nero lutou para romper uma tradição sangüinária, e obteve sucesso parcial. Na época, se acontecia um senhor ser assassinado por um escravo, era hábito que todo o pessoal de serviço da casa em alguns casos, centenas de serviçais fosse condenado à morte. Morte atroz, diga-se, já que para pessoas sem cidadania, como os escravos, significava o martírio na cruz ou na fogueira. Após uma luta cerrada, Nero conseguiu que o Senado não condenasse os ex-escravos que, apesar de libertos, se mantinham a serviço do próprio senhor: para eles, a pena passou a ser comutada em exílio.
Mas foi sem dúvida na economia que Nero mostrou talento administrativo. Ele soube como poucos transformar o Estado numa arma para o crescimento econômico de Roma. Sua obra-prima financeira foi a desvalorização monetária de 63, uma reforma que diminuiu a quantidade de ouro e prata nas moedas. Inteligentemente, no entanto, para que o pacote não fosse neutralizado pela inflação, como hoje costuma acontecer, o imperador lançou mão de um idéia ainda em voga: obras públicas para gerar emprego e lucros. Suas ini-ciativas deram grande impulso à pro-dução de cerâmica, às olarias, ao comércio e, indiretamente, a todas as atividades. A inflação foi contida em 2% ao ano e houve uma grande euforia produtiva e comercial. Tudo, com um detalhe de ruborizar os políticos mãos sujas da Itália de hoje: quando faltavam fundos aos cofres públicos, o imperador usava sua fortuna pessoal para injetar dinheiro na economia. A partir do ano 62, doava, anualmente, 60 milhões de sestércios moedas de prata para as finanças governamentais.
Essas iniciativas parecem ter impressionado menos do que outras facetas de Nero. Ele jamais escondeu que considerava convencionalismos banais as tradições de austeridade da classe dirigente romana. Como empedernido partidário da não-violência, preferia a atividade diplomática e a negociação à agressão militar. Segun–do o historiador romano Suetônio (69-122), que não nutria simpatia pela imagem do imperador, Nero nunca agiu movido pelo desejo de aumentar o império. Não se interessava pela guerra, nunca assumiu o comando do exército nem fazia revistas à tropa. Uma atitude incompreensível para os imperialistas romanos.
É certo que, em família, ele não se mostrou tão manso assim. Mas nisso não foi exceção. Pelo contrário, a história das dinastias romanas, em particular a dos Júlio-Cláudia, à qual pertencia Nero, é uma seqüência de eventos sangüinários. Hoje sabe-se que a causa desses crimes não eram personalidades perturbadas pelo menos, não unicamente , mas a ausência, desde de Augusto, de uma forma de sucessão oficial. Para mascarar o caráter monárquico do governo e evitar a morte nas mãos dos senadores como Júlio César, Augusto criou mecanismos pelos quais a sucessão era um fato incerto até o último momento. O grande número de baixas entre governantes comprova a ferocidade dessa luta pelo poder.
A execução de Agripina, em 59, foi um ato de sobrevivência política: ela vinha jogando o Senado contra o filho. O crime de Nero foi tão grave e inédito que não existia em latim a palavra para denominá-lo. Relatos da época recorrem ao termo parricida. A primeira tentativa, uma simulação de naufrágio, falhou. Agripina salvou-se, mas sabia que a profecia feita quando era muito jovem, de que seu filho seria imperador e a mataria, estava por se realizar. Com fatalismo, ela ficou em casa esperando seus algozes, que chegariam horas depois. A favor de Nero, resta o fato de que Sêneca apoiou a decisão do imperador matricida, como diríamos hoje.
Como Agripina, seis anos depois o próprio Sêneca sucumbiria às intrigas políticas: uma conjuração de aristocratas para assassinar Nero. Dela fazia parte Anneo Mela, irmão do filósofo. Para alguns historiadores, a real intenção do golpe era levar Sêneca ao trono. Provavelmente, Nero desconfiou da trama e deu a Sêneca a ordem de se suicidar, a mais honrosa das penas. Fiel à sua filosofia e inspirado na morte de Sócrates, aos 61 anos ele saldou todas as suas contas, reuniu os amigos e diante da mulher, Paulina, encenou um dos mais teatrais e discursivos suicídios de que se tem notícia na História.
Já no assassinato da esposa, Otávia, em 62, Nero não tem justificativa: ele estava perdidamente apaixonado por Poppea Sabina, cuja beleza ofuscava a de Agripina. O caminho natural seria o divórcio, mas, no caso de Otávia, como argumentou Afrânio Burro, a separação implicava devolver o dote da esposa à família. Ou seja, o próprio império. Após a morte de Burro com Sêneca afastado da política , Nero perdeu a inibição. Forjou uma acusação de adultério contra Otávia, condenou-a à morte e casou-se com Poppea.
Daí a piromaníaco vai uma longa distância. Nenhum historiador sério acredita na culpa de Nero no incêndio que durante nove dias consumiu Roma (veja quadro). Ele nem estava na cidade na noite de verão entre 18 e 19 de julho de 64, quando o fogo começou num bairro de comerciantes, onde se concentravam depósitos de mercadorias inflamáveis. Mesmo os testemunhos antigos que citam Nero como incendiário ressaltam que se tratava de boatos: como os povos da Antigüidade, e muitos modernos, os romanos acreditavam que tudo de bom, e principalmente de mau, era responsabi-lidade do imperador. Além disso, a catástrofe frustrou a melhor fase de seu governo, quando o pacote econômico de 63 começava a dar frutos. Pior ainda: afastou o povo do imperador, o único apoio que tinha após a ruptura com a aristocracia.
Era necessário arranjar um culpado. E quem melhor do que as franjas extremistas do cristianismo, aqueles que esperavam, como rezava a profecia do Apocalipse de São João, que o fogo derrotasse a fera de sete cabeças, uma metáfora, segundo a crença popular, da própria Roma, a cidade das sete colinas? Mas não houve perseguição sistemática. Tácito conta que Nero, para acabar com os boatos, aceitou as delações contra os cristãos e que eles confessavam a culpa antes mesmo de serem presos, numa espécie de busca do martírio e da recompensa celestial.
A prova de que a acusação aos cristãos não era um ato contra sua fé está no fato de só terem sido presos os de Roma. São Paulo, conhecido líder da comunidade cristã, estava na capital no ano de 64, mas nem por isso foi incomodado. A perseguição real aos cristãos começaria mais tarde, com Domiciano (81-96), para assumir o aspecto de genocídio a partir de Décio (249-251).
Nero se lançou à tarefa de reconstrução de Roma com entusiasmo quase infantil. Deu à cidade uma planificação urbana condizente, com critérios estéticos e de segurança: proibiu telhados ou casas de madeira para evitar novos incêndios, prédios colados uns aos outros e ainda estipulou que sua altura máxima seria de duas vezes a largura da rua. Para si, construiu a Domus Aurea, cujo luxo provocou críticas. O jardim com bosques e lagos abrangia a área onde, mais tarde, seria erguido o Coliseu. A severidade dos romanos hoje em dia é pouco compreensível, pois a Domus Aurea foi financiada por Nero e não com dinheiro público.
O imperador não ignorava a opinião conservadora que os romanos tinham sobre ele. Seu casamento com o sol-dado grego Pitágora, quando ainda estava com Poppea, e, três anos após a morte dela, com um jovem eunuco de nome Sporo, já havia chocado a opinião aristocrata. Sabia também dos preconceitos contra artistas e, por muitos anos, só se exibiu nas festas do palácio.
Com o tempo, porém, a prudência acabou derrotada pela sedução do palco, e o amor pela cultura grega para a mentalidade machista romana, o termo grego era sinônimo de efeminado levou-o ao que é considerado o seu suicídio político: uma viagem à Grécia, em 66, que durou quase um ano e meio. Nunca um imperador havia se ausentado durante tanto tempo da capital.
Coroando o sonho de menino, Nero pôde exibir livremente seus dotes artísticas e acumulou todos os prêmios canoros dos jogos gregos. De volta a Roma, mergulhou numa atmosfera de festas e assumiu sem inibições a dupla personalidade de imperador e artista.
Os dias de sonho foram bruscamente interrompidos em março de 68, com a notícia de uma revolta do governador da Gália Lugdunense, Júlio Vindex. Era o começo do fim. Apesar da derrota do amotinado, aos poucos outros governadores aderiram ao levante, enquanto o imperador vacilava entre a inoperância total, um desespero profundo e um ativismo sem convicção. Dizia freqüentemente que, deposto, enfim poderia viver da arte. Na manhã de 9 de junho, traído por todos, abandonado pela terceira mulher, Statilia Messalina, Nero fugiu do palácio ajudado pelos eunucos, ex-escravos e a amante, a liberta Athe. Numa peque–na casa de campo de um funcionário, a 4 quilômetros de Roma, fez escavar um fosso para si e exclamou Qualis artifex pereo Que artista morre comigo! , para em seguida cortar o pescoço com um punhal.
Revisitando a História
Nero não foi um santo. Mas também não foi a encarnação do diabo ou o caricato personagem hollywoodiano de Peter Ustinov em Quo vadis. Embora pareça difícil de acreditar, ele foi venerado até a época do imperador Trajano (98-117), quando sua sorte mudou. Por que, exatamente, não se sabe, mas o fato é que todos os livros que elogiavam seu governo foram então destruídos e perderam-se. Para o inglês Brian H. Warmington, professor da Universidade de Bristol e autor de Nero, reality and legend, a virada se deve ao rancor contra o imperador que desbancou o Senado aristocrata para modernizar o Império. Em geral, a história é propaganda dos vencedores, mas no ca-so de Nero parece mais a ver-são tendenciosa dos perdedores.
No livro Beau come l’antique, o francês Jacques Gaillard vai além: define Nero como déspota esclarecido e diz que, apesar do anedotário, era ator talentoso. Já o italiano Mario Attilio Levi absolve o imperador do grande incêndio de Roma em Nerone e i suoi tempi o melhor estudo sobre ele: os argumentos contra ele não vão muito além da agourenta passagem de um cometa na capital.
Como chave de ouro da reabilitação, o jornalista italiano Massimo Fini escreveu Nerone, recém-lançado no Brasil, e consagra Nero como governante e pessoa justa. Para tal, chama o testemunho de São Paulo, que em 58, para salvar-se de um linchamento em Jerusalém (Atos dos Apóstolos na Bíblia, 21 a 36), recorreu a Nero. E com sucesso.
Um dia na vida da capital do mundo
Na época de Nero, a população romana beirava 1 milhão de habitantes, sem contar os escravos e a enorme massa de imigrantes de raças e culturas das mais variadas origens: árabes, negros da Etiópia, camponeses da Trácia e muitos outros. Todos concentrados na mais absoluta desordem de uma cidade que tinha como característica a disposição urbana caótica e uma rede de ruas insuficiente, coisas que o imperador começou a mudar com a reurbanização empreendida após o incêndio
De noite, o vaivém dos carros e a gritaria dos condutores xingando. De dia, os veículos eram proibidos de rodar, mas a multidão fazia suas vezes: de manhã, os professores e seus estudantes não deixam ninguém em paz e os paneleiros batem sem parar seus martelos
Em casa, as mulheres ricas contavam com escravas para cuidar de sua beleza. Elas se encarregavam de vestir e pentear a senhora. A moda era usar cabelos postiços com madeixas tiradas das cabeleiras dos bárbaros
Nas casas, populares ou aristocratas, era comum haver uma pequena porta para a rua, onde se encontrava um dos ambientes mais freqüentados pelos homens de Roma: tabernas especializadas na venda de vinhos.
Todos comiam com os dedos: no cardápio dos ricos avestruz e mexilhão, no dos pobres peixe, porco e carne de burro. Além de muito pão.
A toga tinha a forma de um semicírculo, para criar o charmoso drapeado.
Valise de couro para levar os pergaminhos, os livros da época, canetas, tinteiro, a tábua de cera e os estiletes para poder escrever nela.
Escola: crianças de 7 a 15 anos tinham aulas todas manhãs com professores estrangeiros severos, de bastão à mão para punir os erros.
As termas, ou banhos públicos, eram um programa vespertino quase obrigatório. Lá, os amigos costumavam se reunir diariamente para conversar, fazer abluções em banheiras de água quente, morna ou fria e praticar todo tipo de esportes e exercícios físicos.
Jogos: gladiadores (escravos e vagabundos em busca de riqueza) se enfrentavam até a morte.
Unidos pelo sangue
O avô foi assassinado, a avó morreu numa greve de fome em protesto por ter sido surrada e o tio Calígula dispensa comentários. Nero tinha a quem puxar: descendente de Augusto, o primeiro dos imperadores, ele trouxe no sangue o estigma trágico da linhagem Júlio-Cláudia. Uma seqüência mórbida que começou com os avós Germânico e Agripina I neta de Augusto , mortos na disputa pelo trono. Germânico era candidato à sucessão do tio e pai adotivo Tibério. O imperador, porém, decidiu favorecer o próprio filho e tramou a morte do enteado. Agripina I suicidou-se e os dois primogênitos dos seis filhos do casal foram executados.
A revanche veio em 37, com o violento e degenerado Calígula, terceiro filho de Germânico, que sucedeu Tibério no trono para se notabilizar como o homem que nomeou seu cavalo, Incitatus, senador. Na época, Agripina irmã e ex-amante de Calígula era casada com Domício Ahenobarbus, pai de Nero. Dois anos depois, ela e a irmã Júlia seriam exiladas por conspirarem contra o irmão, enquanto Domício morria doente e Nero era entregue a uma tia. De volta a Roma em 41, após o assassinato de Calígula, Agripina casou-se com o senador Passieno Crispo, que usou todo seu prestígio para protegê-la quando Cláudio, sucessor de Calígula, mandou matar Júlia. Passieno foi envenenado pela mulher em 47, e a essa altura ela e Nero eram os únicos sobreviventes da família de Germânico. Pouco depois, Agripina casou com Cláudio seu tio, assassino da irmã e futuro pai adotivo de Nero. Final da história: envenenou o marido, e o filho assumiu o trono.
http://super.abril.com.br/superarquivo/1993/conteudo_113802.shtml

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Máximo, o herói da superprodução que levou o Oscar, jamais existiu. Cômodo lutava mesmo no Coliseu e Marco Aurélio foi um dos monarcas mais sábios da história

Por Max Gehringer
Em 1945, após oito longos anos de conflitos, a Segunda Guerra Mundial entrava na fase dos combates decisivos. E, como era de se esperar, os nervos do mundo inteiro andavam à flor da pele e qualquer descuido podia provocar um incidente diplomático, ou até mesmo deflagrar um novo qüiproquó de proporções alarmantes. Foi nesse cenário de extrema sensibilidade que um estúdio de cinema americano, a Warner Brothers, lançou um dos melhores filmes de guerra feitos até hoje: Objetivo Burma. Estrelado por Errol Flynn (o Russell Crowe dos anos 40, já que era um ator do outro lado do mundo, “importado” por Hollywood – Flynn era australiano, Crowe é neozelandês), o filme transportava para a tela um episódio real ocorrido na selva asiática dois anos antes: um sangrento combate entre pára-quedistas aliados e soldados japoneses.
No filme, um oficial do Exército dos Estados Unidos – interpretado por Flynn – consegue traçar um plano de combate perfeito para surpreender os japoneses, mesmo dispondo de informações imprecisas e insuficientes. Depois, ele mesmo treina os pára-quedistas para executarem o plano, e, por fim, ainda lidera heroicamente a tropa no ataque decisivo. O filme foi aplaudido em todos os países do mundo (menos, é claro, no Japão, e em seus parceiros de escaramuças, a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini).
Mas Objetivo Burma foi também execrado na Inglaterra, a grande aliada dos americanos na guerra. Seria porque a atuação dos atores não estava à altura dos padrões shakespeareanos do teatro britânico? Pode até ser, mas o motivo foi outro: toda a operação militar de Burma tinha sido planejada e executada por oficiais e soldados britânicos. Os poucos americanos presentes no campo de batalha estavam lá apenas como observadores, sem direito a palpite. Depois de assistirem ao filme, os enfurecidos ingleses já estavam pensando em declarar guerra aos Estados Unidos, mas antes resolveram perguntar que piada de mau gosto tinha sido aquela. A resposta veio via Hollywood – e se tornaria tão clássica quanto o filme: “Cinema não é para ensinar história, é para divertir a platéia”.
That’s entertainment – isso é entretenimento – é a frase que, desde então, vem permitindo a Hollywood torcer e distorcer a história e adaptá-la ao gosto do freguês. Vale tudo, desde que o espectador se divirta enquanto esvazia seu saco de pipoca. Algumas vezes, como no caso do Titanic, um casal fictício é plantado no centro de um evento real. Outras, como em Gladiador, a história é simplesmente reinventada. Personagens que nunca se encontraram são colocados frente a frente; fatos que nunca ocorreram são adicionados ao roteiro; e tudo isso é embrulhado em cenários fielmente recriados e situações que realmente aconteceram. Mas onde acaba a realidade e onde começa a ficção? Bom, isso é exatamente o que Hollywood faz questão de não dizer. Se disser, o entretenimento acaba.
Essa foi a receita de Gladiador, filme que amealhou cinco Oscar este ano, entre os quais o de Melhor Filme e Melhor Ator, para Russell Crowe. Colocar no Coliseu romano um imperador maníaco e um ex-general transformado em escravo, prontos para resolver suas diferenças numa luta de vida ou morte, é entretenimento puro. É nesse momento crucial do filme que toda a platéia prende a respiração, menos aquele casal cochichando na décima fila:
– Que coisa, não, Andréia? O imperador Cômodo encarou, no mano a mano, um especialista em matanças. Eu sabia que os imperadores romanos eram meio loucos, mas nunca pensei que eles fossem tão idiotas.
– Cale a boca e assiste o filme, Fagundes. E passa a pipoca.
É só depois de o filme terminar que os freqüentadores acordam para a realidade, e aí os comentários ganham mais profundidade:
– Quer dizer que o cara tinha um caso com a irmã dele?
(leitor da Playboy)
– O Russel Crowe é lindo! (leitora da Capricho)
– Tirando o Coliseu, o resto é tudo inventado! (executivo cético, sem tempo para ler)
– Será? Vou procurar na internet… (leitor da Super)
Ao pesquisar, o leitor da Super, obviamente o mais atilado de todos, descobrirá que a maioria dos principais personagens do filme existiu de verdade, com exceção de um, e justo o mais importante de todos: Máximo, o gladiador. Mas a inspiração para rodar um filme sobre gladiadores e imperadores romanos não veio apenas da história. Veio do sucesso de bilheteria de dois outros filmes anteriores:
Spartacus (1960), do diretor Stanley Kubrick. É a história de um gladiador que ganha fama por sua habilidade, mas logo se rebela e lidera uma revolução de escravos contra Roma. Interpretado por Kirk Douglas, Spartacus realmente existiu, e foi executado pelos romanos em 71 a.C. Três personagens fictícios foram “emprestados” do filme de Kubrick: o negro africano que se torna amigo de Spartacus, Draba (que virou Juba em Gladiador); seu senhor, um déspota de bom coração, Batiato (agora rebatizado de Próximo); e o cínico senador Graco, que enxerga Roma como ela realmente é, bela e corrupta (neste caso, até o nome foi mantido, embora não haja registros da existência da figura).
Calígula (1980), dirigido por Tinto Brass. Calígula é um demente apaixonado por sua irmã, Drusila, e assassina o tio, Tibério, para se tornar imperador. Dele veio a idéia para a ascensão de Cômodo ao poder em Gladiador. Quanto ao filme Calígula, antes de começar a ser exibido foi totalmente reeditado e, infelizmente (ou não), se transformou em um clássico pornô, para desgosto de seu roteirista, Gore Vidal, e de seus principais atores, entre eles figurinhas carimbadas como Peter O’Toole e Sir John Gielgud.
Com esses ingredientes, que já lhe davam uma razoável massa para o bolo, faltava ao diretor Ridley Scott adicionar apenas o fermento histórico para fazê-lo crescer e encher a tela. Como o Gladiador custou 107 milhões de dólares para ser produzido (mais que o orçamento anual do Império Romano), não há dúvida de que uma verbazinha foi aplicada na pesquisa histórica. Os pesquisadores desenterraram que César Marco Aurélio Antonino Augusto (Marco Aurélio para os íntimos, que eram bem poucos), foi imperador romano durante 19 anos (veja quadro à página 88). Além de realmente estar presente nas batalhas, ele achava tempo para escrever sobre filosofia (no que foi bem-sucedido, tanto que uma obra sua, Meditações, resistiu ao tempo). E também para tentar dar uma boa educação às filhas (entre elas, Lucila) e ao único filho homem, Cômodo (aí já não teve tanto sucesso). Marco Aurélio morreu em 180 d.C., vitimado por uma dessas pestes que eram comuns há 2 000 anos.
A epidemia foi trazida pelos próprios soldados do imperador, no regresso de uma campanha militar, em que, como se sabe, “higiene” não era exatamente uma das prioridades. Cômodo, como se verá a seguir, também era uma peste. Mas pelo menos ele não assassinou o pai.
Cômodo recebeu o título de César já aos 5 anos de idade, o que equivalia a uma pré-nomeação para governar o mundo. Aos 17 anos, foi empossado co-imperador e reinou em conjunto com o pai Marco Aurélio durante três anos. Com a morte do pai, Cômodo assumiu o poder e pelos 12 anos seguintes (bem mais do que no filme) mandou e desmandou em Roma. No poder, ele se revelaria um megalomaníaco de marca maior. Tentou, entre outras coisas, mudar o nome de Roma para Comodônia, e substituir os nomes dos meses do ano pelos seus próprios – o que quase enchia um semestre, porque ele chamava César Marco Aurélio Cômodo Antonino Augusto – e pelos títulos honoríficos que recebia do Senado romano, como Invicto, Félix e Pio.
Além disso, Cômodo era um pervertido sexual – o que parece ter sido o hobby de muitos imperadores romanos – e morreu em 192 d.C., estrangulado por um de seus protegidos, um atleta chamado Narciso Mérida. Aliás, no primeiro rascunho do filme Gladiador, o personagem Máximo era chamado de Narciso. A preferência por Máximo Décimo Merídio foi bem hollywoodiana: quem iria torcer por um herói chamado Narciso Mérida? Porém, o que parece mais improvável no filme é mesmo verdade: Cômodo fazia suas estripulias na arena do Coliseu, matando feras e enfrentando gladiadores, embora haja sérias dúvidas quanto à qualidade e à motivação dos oponentes que eram escalados para medir forças com o imperador.
É verdade que Lucila, a irmã mais velha de Cômodo, o detestava até a raiz dos cabelos, e já no segundo ano de mandato do irmão armou uma conspiração para assassiná-lo. Mas a Lucila real teve bem menos sorte que a do filme: Cômodo a deportou para a ilha italiana de Capri, perto de Nápoles, e logo depois ordenou que ela fosse executada. Que família!
Lucila era, de fato, casada com Lúcio Vero, 30 anos mais velho que ela, pai do garotinho que aparece no filme. O interessante é que Lúcio não era um césar-ninguém: era co-imperador, junto com Marco Aurélio. Foi a primeira vez, na história do Império Romano, que isso aconteceu – a criação da dupla de governantes era uma tentativa do ilustrado Marco Aurélio de reduzir os poderes absolutistas do líder único. Mas quem mandava era ele mesmo, por isso a turma de Hollywood, ao perceber que Lúcio Vero não ia dar muito ibope, decidiu eliminá-lo da trama.
Mas de onde vieram os gladiadores que dão nome ao filme? Bom, a palavra em si veio de gladius, “espada” em latim. E os duelos para ver quem era o melhor, o mais forte, ou o mais capacitado a sobreviver, vêm desde os tempos em que ainda andávamos de quatro pela Terra. Foram os gregos, há mais de 3 000 anos, que oficializaram os combates armados como uma espécie de diversão pública e deram origem aos Jogos Olímpicos atuais.
Os romanos barbarizaram o que antes era só um esporte ao obrigar os contendores a lutar não só pela glória, mas pela vida (veja infográfico na página 86). A teoria dos organizadores era maquiavélica: enquanto o povo estivesse ocupado vendo combates sangrentos não se preocuparia com outras coisas, como com uma revolução. No início, os gladiadores eram soldados condenados à morte, normalmente por traição ou deserção. Em vez de executá-los, os imperadores tiveram a idéia de deixar que eles se executassem, o que ainda tinha a vantagem de divertir o público. (Você lembra: that’s entertainment. A máxima já valia milênios antes de escreverem Hollywood num morro da Califórnia.) Depois, na medida em que o interesse das multidões foi crescendo, os senhores abastados começaram a sair pelas cidades à procura de escravos fortes e com bom potencial para comprar. Eles eram então treinados por profissionais do ramo e seu sucesso na arena rendia para o proprietário um razoável retorno sobre o investimento inicial.
O Coliseu de Roma (coliseum é ”colossal” em latim) é um personagem à parte, no filme e na história. Construído entre 79 e 100 d.C, é uma elipse de 188 por 156 metros, com 49 metros de altura. Com uma arena de 86 por 54 metros, tem mais ou menos o tamanho de um campo de futebol oficial. O Coliseu foi feito com o propósito de alojar uma enorme quantidade de pessoas, algo como 50 000, e a carnificina – apelidada com o eufemismo de “jogos” – não somente era diária, mas durava de sol a sol. Quer dizer, a qualquer dia, e a qualquer hora, quem fosse ao Coliseu veria algum espetáculo. Com entrada grátis. A reconstituição arquitetônica do monumento no filme é exemplar, e sua importância é antecipada no diálogo em que Próximo, o personagem interpretado por Oliver Reed, anuncia a Máximo que, após cinco anos montando arenas mambembes para espetáculos de gladiadores em cidades infestadas de pulgas, eles finalmente poderão ir para onde sempre mereceram estar.
E aí, vai até a janela, encara o horizonte, toma um longo fôlego e diz, emocionado:
– O Coliseu!
É até perdoável que Oliver Reed tenha falado tudo isso em inglês, apesar de a língua ainda não existir naquela época. Afinal, com os cronogramas de filmagem apertados como são, não sobra tempo para os atores aprenderem latim. Mas, se Próximo chegasse a Roma e perguntasse onde ficava o Coliseu, nenhum romano conseguiria lhe dar a informação, apesar de ele estar à procura do maior edifício da cidade. É que o nome “Coliseu” só apareceria mais de 1 000 anos depois. Na época de Marco Aurélio e Cômodo, o estádio era chamado de Anfiteatro Flaviano.
Por fim, uma curiosidade: SPQR, a sigla tatuada que Máximo raspa do braço quando decide levar mais a sério a carreira de gladiador, significa “para o Senado e o Povo de Roma” – Senatus Popules Que Romanus, em latim. Hoje, em Roma, vêem-se as letrinhas impressas nas tampas de bueiro. Máximo tinha a tatuagem porque pertencia a uma classe inferior, a dos soldados. O que quer dizer que gente fina não se tatuava no tempo dos romanos, só a ralé. E é daí que surgiu uma expressão usada até hoje, “fulano carrega um estigma”. A palavra latina para tatuagem era stigma.
Dimachaeri
Um gladiador não podia escolher a arma que quisesse. Cada um deles pertencia a uma classe e era obrigado a usar armamentos e proteções específicos. Havia, por exemplo, a classe dos oplomachus, armados com uma espada curta chamada gládio; a dos thraces, que tinham um escudo redondo e uma espada curva; e a dos andabatae, que montavam um cavalo e tinham os olhos vendados. Este gladiador à esquerda é um dimachaeri, que quer dizer “homem de duas facas”
Secutor
Máximo pertencia à classe dos secutores, atletas armados de punhal. O filme erra ao colocá-lo em confronto com um dimachaeri. Um secutor enfrentava sempre um retiarius, gladiador que portava uma rede e imobilizava o adversário com ela, para depois matá-lo com um tridente. Outra falha foi retratar o herói com um escudo redondo. Os secutores usavam escudos retangulares. Essas regras rígidas visavam aumentar o equilíbrio da luta. Dessa forma, os duelos opunham sempre uma dupla de combatentes – não havia shows com dezenas de pessoas brigando, como os retratados no filme. Ou seja, os verdadeiros combates provavelmente eram bem menos interessantes que os que animaram as telas de cinema
No final de Gladiador, o herói Máximo atravessa a garganta do imperador Cômodo com um punhal (ops, você ainda não tinha visto o filme? Desculpe, contei como acaba…). Nesse momento, ele sussurra para o vilão: “Sorria para a morte”. A frase não é de autoria de algum roteirista de Hollywood. Ela nasceu da pena do imperador Marco Aurélio, pai de Cômodo, filósofo e personagem da parte inicial do filme.
Líder do Império entre 161 e 180, Marco assumiu o trono numa época de prosperidade e estabilidade. Em 167, ele saiu de Roma e liderou pessoalmente uma expedição de cinco anos pelo norte, cujo objetivo era punir as tribos germânicas que estavam causando problemas na fronteira. A história oficial do império registrou seu nome como o de um grande imperador, enquanto seu filho e sucessor, Cômodo, teria sido um crápula incompetente. A verdade é que os altos gastos militares de Marco talvez tenham sido a causa da crise econômica na qual Roma mergulhou no governo seguinte – e da qual só se recuperaria meio século depois.
As más línguas dizem que Cômodo era um filho ilegítimo. “Existe o boato de que a rainha Faustina teve uma aventura com um gladiador e que o futuro imperador era fruto dessa relação”, diz a historiadora clássica Maria Luiza Corassin, da Universidade de São Paulo. Esse detalhe, surpreendentemente omitido no filme, talvez explicasse a fascinação que os jogos de gladiadores exerciam sobre Cômodo.
Marco Aurélio era seguidor da filosofia estóica, que pregava que os homens são absolutamente responsáveis por si próprios e que não há vida após a morte. Isso fez com que ele impusesse para si regras de conduta absolutamente rígidas – algo surpreendente num tempo em que os poderosos eram dados a orgias e uma vida desregrada. Durante a campanha militar na Germânia, Marco Aurélio anotou os seus pensamentos sobre a política e a vida. Não está claro se esses textos eram um diário escrito para si próprio ou se o imperador pretendia divulgá-los. O fato é que as Meditações foram reunidas, publicadas e inspiraram gerações com suas pérolas de sabedoria estóica. Veja abaixo alguns trechos:
“Ocupa-te de pouco para viveres satisfeito. Se eliminarmos a maior parte de nossas palavras e ações, não farão falta, e nos sobrarão mais lazeres e sossego. Deves, por isso, de cada vez, lembrar a ti mesmo: Não será isto uma das coisas dispensáveis?”
“Tudo é passageiro, logo se torna lendário, logo o esquecimento completo o sepulta.”
“Pensa constantemente em quantos médicos morreram, depois de tantas vezes carregarem os sobrolhos à cabeceira dos enfermos; quantos astrólogos, depois de predizerem a morte de outros como se obrassem maravilha; quantos filósofos, após manterem acirradas disputas sobre a morte ou a imortalidade; quantos tiranos, depois de abusarem com arrogância do poder de vida e de morte; quantas cidades inteiras: Hélice, Pompéia, Herculano e outras inúmeras. Este átimo de tempo, vive-o segundo a natureza e acaba sem revolta, como cairia a azeitona madura abençoando a terra que a produziu e agradecendo a árvore que a gerou.”
http://super.abril.com.br/superarquivo/2001/conteudo_175288.shtml

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Os senhores de Roma

Roma surgiu da união de tribos que viviam de modo rudimentar perto do rio Tibre. A lenda diz que tudo começou com dois irmãos adotados por uma loba. Em 1 200 anos, seus mais de mil líderes estiveram entre os homens mais poderosos do mundo
Paulo D’Amaro
MONARQUIA / 753 – 509 A.C.
Roma passou de uma pequena cidade-estado a um reino poderoso. Apesar da estabilidade havia tensões, pois ali conviviam três povos de costumes diferentes. Sabinos e latinos eram dados à agricultura e ao pastoreio. Etruscos privilegiavam o comércio, o artesanato e a guerra
PATRÍCIOS
O rei era eleito por um conselho de aristocratas – os patrícios – entre os indicados pelo Senado. As guerras derem popularidade inédita aos reis, o que gerou ciúme entre os senadores
RÔMULO / 753 – 715 A.C.
Se ele é irmão gêmeo de Remo, que segundo a lenda foi salvo por uma loba, ninguém sabe. O fato é que o primeiro monarca de Roma foi mesmo um certo rei chamado Rômulo
REPÙLICA / 509 – 27 A.C.
Para muitos especialistas, a República foi a forma encontrada pelo Senado para manter o poder diante da crescente popularidade dos reis guerreiros junto aos mais pobres – os plebeus
TRAMAS E GOLPES
Um complicado sistema de governo baseado na eleição de duplas de cônsules escondia o fato de que os 300 senadores eleitos pelos patrícios é que mandavam. O povo conseguiu seus representantes, como os irmãos Caio e Tibério Graco – responsáveis por uma tentativa de reforma agrária e pela distribuição gratuita de pão. Mas a insatisfação geral, aliada ao fortalecimento dos generais, que expandiam os limites e o poder de Roma e traziam escravos e produtos para o consumo dos patrícios, colocou em xeque, mais uma vez, o poder do Senado. Uma série de golpes de Estado colocou fim ao sistema republicano
JÚLIO CÉSAR / 45 – 44 A.C.
Militar de família nobre, liderou as conquistas da Ibéria e da Bretanha. Escrevia sobre suas batalhas e enviava relatos a Roma, o que fez dele um ídolo popular. Foi feito cônsul do primeiro triunvirato (60 a.C.), mas tornou-se tão poderoso que iniciou uma guerra civil e destituiu os outros dois, proclamando-se ditador. Aos 56 anos de idade foi apunhalado num complô nas escadarias do Senado romano. Acabou emprestando seu nome aos imperadores que viriam e virou sinônimo de líder poderoso e absoluto, dando origem aos termos “czar” na Rússia e “kaiser” na região onde hoje fica a Alemanha
IMPÉRIO / 27 A.C. – 476 D.C.
A expansão territorial e crises internas abriram caminho para os usurpadores, motivo pelo qual houve períodos com mais de um imperador declarado (veja as listas ao lado). O Império ruiu com a invasão dos bárbaros, no século 5
OTÁVIO AUGUSTO / 27 A.C. – 14 D.C.
Pacificou Roma com “pão e circo”. Fez a maioria das obras vistas hoje em ruínas. Seu exercito chegou a ter 300 mil homens. Morreu doente aos 77 anos
CALÍGULA / 37 – 41
Destruiu a confiança na figura do imperador conseguida por Augusto. Nomeou seu cavalo cônsul e substituiu as estátuas dos deuses por imagens de seu próprio rosto. Foi assassinado aos 28 anos
NERO / 54 – 68
Incendiou Roma para reconstruí-la ao seu gosto. Exilou a mulher e tramou a morte da mãe. Suicidou-se aos 30 anos de idade
TRAJANO / 98 – 117
Estendeu os limites do Império ao máximo. Construiu estradas e modernizou portos. Criou a figura do “curador” uma espécie de prefeito. Morreu aos 65 anos de idade
ADRIANO / 117 – 138
Culto e mais inclinado às palavras do que às armas, deu aos romanos 20 anos de paz. Realçou as belezas da cidade e promulgou leis que regeram Roma por dois séculos. Morreu doente aos 62 anos
MARCO AURÉLIO / 161 – 180
Filósofo, promoveu o reerguimento cultural de Roma. Aos 59 anos, morreu doente (e não assassinado pelo filho Comôdo, como no filme O Gladiador)
CONSTANTINO / 306 – 337
Determinou o fim da perseguição aos cristãos, permitindo-lhes o culto e a abertura de templos. Mudou a capital do Império para Bizâncio (futura Constantinopla). Morreu doente em 337
TEODÓSIO / 378 – 395
Oficializou o cristianismo. Separou o Império em dois: o do Oriente e o do Ocidente. Morreu aos 50 anos de idade

(Wikipédia) Flávio Rómulo Augusto, (em latim Flavius Romulus Augustus), conhecido pelo depreciativo de Rómulo Augústulo, (c.459 - ?), nasceu em Ravenna[carece de fontes?], e foi, em 31 de outubro de 475, com idade entre 15 e 18 anos, empossado na função de Imperador por seu pai, o general romano Flávio Orestes[1] (que havia anteriormente servido a Átila o Huno). Imposto por seu pai que depôs o imperador legítimo, Júlio Nepos, viu-se impotente frente a um Império em crise.
Em todo o século V, Roma e a Península Itálica viram-se várias vezes assolados por incursões bárbaras de visigodos, hunos e vândalos. O Império, embora vacilante, conseguia reagir e sobreviver.
A data de deposição de Rômulo Augústulo pelo bárbaro Odoacro (4 de setembro de 476), na cidade de Ravenna, é tradicionalmente conhecida como o fim do Império Romano do Ocidente, o fim da Idade Antiga e o começo da Idade Média. Segundo Jordanes, Rómulo Augusto terminou sua vida no exílio, na Campânia. [2] Seu substituto, Odoacro, nunca chegou a ser considerado imperador do Ocidente, mas apenas rei da Itália, sob o comando do Imperador Romano do Oriente.
Coincidentemente, o último imperador de Roma tem o mesmo nome de seu suposto primeiro rei.

ROMA: DO NASCIMENTO À MORTE

MONARQUIA

753-715 a.C. Rômulo
715-673 a.C. Numa Pompílio
673-642 a.C. Túlio Hostílio
642-617 a.C. Ancus Márcio
616-579 a.C. Tarquínio Prisco
578-535 a.C. Sérvio Túlio
534-510 a.C. Tarquínio Soberbo

REPÚBLICA

509-31 a.C. Cerca de mil cônsules governaram
60 a.C. Crasso, Pompeu e Júlio César
45-44 a.C. Júlio César
44-31 a.C. Otávio Augusto, Marco Antônio e Lépido
31-27 a.C. Otávio Augusto

IMPÉRIO

27 a.C.-14 d.C. Otávio Augusto
14-37 Tibério
37-41 Calígula
41-54 Cláudio
54-68 Nero
68-69 Galba
69 Oton e Vitélio
69-79 Vespasiano
79-81 Tito
81-96 Domiciano
89 Saturnino
96-98 Nerva
98-117 Trajano
117-138 Adriano
138-161 Antônio Pio
161-166 L. Verus
161-180 Marco Aurélio
180-192 Cômodo
192-193 Pertinas
193 Dídio Juliano
193-211 Sétimo Severo
211 Geta
211-217 Caracala
217-218 Macrínio
218-222
* Elagabalo
* Seleuco
* Urânio
* Gelo Máximo
* Vero
222-235
* Severo Alessandro
* Tauríneo
235-238
* Maximínio Trás
* Magno
* Quartinus
238
* Gordiano I
* Gordiano II
* Pupieno
* Balbino
238-244
* Gordiano III
244-249
* Filipe I
247-249
* Filipe II
248
* Pacaciano
* Iotapiano
* Silbanco
* Esponsiano
249-251
* Trajano Décio
250
* Júlio Prisco
* Liciniano
251
* Erênio Etrusco
* Hostiliano
251-253
* Treboniano Galo
* Volusiano
253
* Urânio Antonino
* Emílio
* Emiliano
253-268
* Valeriano I
* Maredes
* Valeriano II
* Galieno
268-269
* Ingeno
* Regaliano
* Macriano I
* Macriano II
* Quieto
* Piso aléns
* Balista
* Múcio
* Emiliano
* Memor
* Celso
* Aureolo
* Saturnino
* Censorino
* Póstumo
* Laeliano
* Mário
269-270
* Cláudio II
270-273
* Quintílio
* Felicíssimo
* Tétrico I
* Tácito
* Aureliano
271-272
* Domiciano
* Urbano
* Setímio
* Vabalato
273-274
* Tétrico II
* Firmo
274-282
* Floriano
* Probo
280-281
* Bonoso
* Saturnino
* Proculo
282-284
* Caro
* Numeriano
* Carino
284-305
* Diocleciano
* Tetrarco
284-305
* Caráusio
* Aleto
* Domício
* Maximiniano Hercúleo
* Constâncio I
* Cloro Galério
* Maximino Daia
* Severo II
306-312
* Maxêncio
306-313
* Constantino
* Tetrarco
313-324
* Constantino
* Licínio
308-309
* Domício Alessandro
314
* Valens
324
* Martiniano
333-334
* Calocaero
337-340
* Constantino II
337-350
* Constâncio I
350-361
* Constâncio II
350-355
* Magnêncio
* Vetrânio Nepociano
* Silvano
361-363
* Juliano II
363-378
* Joviano
* Valenciano I
* Firmo Procópio
* Marcelo Graciano
* Valens
375-392
* Valentiniano II
378-395
* Teodósio I
383-388
* Magno Máximo
* Flávio Vitor
392-394
* Eugênio
393-423
* Honório
407-411
* Constantino III
* Prisco
* Constâncio Máximo
411-415
* Jovino
* Prisco Atalo
* Sebastiano
421
* Constâncio III
423-425
* Johannes
425-455
* Valentiniano III
455
* Petrônio Máximo
455-456
* Ávito
457-461
* Majoriano
461-465
* Líbio Severo
467-472
* Antemo
468-472
* Arvando
* Romano
* Olívio
473-474
* Glicério
474-475
* Júlio Nepos
475-476
* Rômulo Augusto